O ministro da Justiça, Anderson Torres, refez os cálculos da partilha do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) aos Estados com um critério que, entre outras mudanças, aumentou a previsão de repasses ao Distrito Federal (DF), por onde pretende disputar uma vaga na Câmara dos Deputados em 2022. A nova metodologia de distribuição reduz cotas de Estados mais populosos e com maiores registros de criminalidade, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Em contrapartida, aumenta as de unidades da federação menores, como das regiões Norte e Nordeste, além do DF.
Mesmo sem os problemas típicos de divisas e com uma dinâmica particular de segurança pública, a parcela destinada a Brasília este ano deverá ser R$ 8,8 milhões maior do que os R$ 16,5 milhões previstos na proposta inicial. Além do DF, as transferências a 12 Estados foram alçadas a um patamar mínimo, de aproximadamente R$ 25,3 milhões, criado pelo ministério sem pesar as realidades distintas do enfrentamento à violência.
O método utilizado para o rateio ignorou as duas sugestões elaboradas por um grupo de trabalho criado pelo próprio ministério, com representantes dos Estados, para estabelecer critérios mais justos. Em vez de considerar aspectos populacionais, índices de criminalidade, quedas de indicadores e tamanho dos efetivos policiais, o ministro decidiu usar como métrica principal a distribuição igualitária, metodologia que havia sido recusada pelo grupo de trabalho.
Conforme a nova regra, os 26 estados e o DF não poderão receber menos de 3,5% dos R$ 722 milhões do FNSP previstos para este ano. Assim, 94,5% do fundo será distribuído igualmente, sem prestigiar resultados de combate à criminalidade ou considerar gargalos que precisam ser atacados. Só os outros 5,5% dependerão das peculiaridades locais. Para que fosse possível padronizar as parcelas, o ministério enxugou cotas previstas para os Estados maiores – com mais desafios na área da segurança – para ampliar as das unidades menores.
O dinheiro, que ainda não foi liberado, será pulverizado pelos Estados. Com mais de 46 milhões de habitantes e mais de 121,1 mil homens no efetivo policial, São Paulo deverá receber R$ 31,1 milhões. É pouco mais do que os R$ 28,8 milhões a serem pagos ao Acre, com menos de 900 mil moradores e cerca de 3,8 mil policiais. O governo de Sergipe deverá ter R$ 25,2 milhões para usar com os 6,9 mil policiais que protegem 2,3 milhões de habitantes. Já Minas Gerais, com 21 milhões de habitantes e 54,9 mil policiais, terá pouco mais: R$ 28,8 milhões.
A parcela transferida aos Estados, alimentada com a arrecadação das loterias, poderá ser maior no ano que vem e alcançar R$ 1,2 bilhão. A partilha se dará com base no mesmo critério definido pela equipe de Anderson Torres.
<b>REAÇÃO</b>
A mudança nos critérios causou insatisfação no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), agiu, sem sucesso, para pressionar o ministro. No início de maio, Pacheco levou a cúpula da segurança pública de Minas Gerais para uma reunião com Anderson Torres. Embora não a considerassem ideal para os anseios do Estado, os chefes das polícias mineiras defenderam os critérios elaborados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do ministério responsável pela principal proposta rejeitada.
O método definido por Torres causou insatisfação também na chamada "bancada da bala", formada por uma maioria governista. "Há uma discordância muito grande dentro da frente parlamentar. Já bastam as emendas das bancadas serem iguais. Não desmerecendo Estados menores, mas não tem como concordar com a divisão desse recurso de forma igual. Tem que ser proporcional ao número de habitantes", afirmou o coordenador da bancada, deputado Capitão Augusto (PL-SP).
<b>SECRETARIA</b>
A mudança na regra escancarou o isolamento da Senasp. Desde o início do governo Bolsonaro, a secretaria foi esvaziada. Deixou de ser um ministério e, em seguida, foi desmembrada para a criação de duas novas secretarias que acolheram delegados federais. Sugestões de rateio feitas pela Senasp anteriormente aos estudos do grupo de trabalho já haviam sido desconsideradas. A decisão do ministro com a nova regra veio em julho, ignorando tanto os estudos da Senasp quanto uma proposta alternativa defendida por estados com fronteiras.
Os Estados assinaram a adesão aos novos critérios do FNSP em outubro. As estimativas de receitas foram reduzidas em unidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais – todos esses são bases eleitorais de desafetos ou de futuros adversários de Bolsonaro. Em contrapartida, a estimativa de receita cresceu, além de no DF, em estados como Roraima, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. Bolsonaro tem feito acenos às regiões Norte e Nordeste com vistas à reeleição.
<b>REUNIÕES</b>
A Senasp e o grupo de trabalho do ministério realizaram oito reuniões para decidir tecnicamente quais variáveis definiriam o tamanho dos repasses (geográficas, socioeconômicas, metas e resultados) e qual o peso de cada uma delas no cálculo dos porcentuais da partilha.
Procurado, o Ministério da Justiça não explicou quais foram os estudos técnicos que levaram a pasta a definir o porcentual igualitário de 3,5%, nem deu as razões que o levaram a abrir mão das sugestões construídas pelo grupo de trabalho. Por nota, frisou que a definição veio após um inédito debate com representantes das secretarias de segurança pública dos Estados. "Cabe ressaltar que os valores transferidos pelo governo federal são suplementares ao que cada unidade da federação deve investir nas suas forças de segurança".
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>