O vendedor Atercino Ferreira de Lima, 51 anos, preso desde abril do ano passado na penitenciária José Parada Neto de Guarulhos, deve ganhar a liberdade. Depois de uma série de decisões judiciais que chegaram à condenação a 27 anos de prisão, desde 2002, quando foi acusado na Delegacia da Mulher de Guarulhos por uma amiga de sua ex-esposa, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) o absolveu, nesta quinta-feira (1º), da acusação de abuso sexual contra seus dois filhos.
A nova decisão foi possível após os próprios filhos, hoje adultos, mudaram o teor de seus depoimentos. No ano passado, eles disseram à Justiça que, na época da denúncia, quando tinham 6 e 10 anos, mentiram sob ordens, em meio a espancamentos, de uma amiga da ex-mulher de Atercino.
De 2004, ano da denúncia, a 2017, o vendedor apresentou diversos recursos em liberdade, até ser preso quando estava em seu local de trabalho, em abril do ano passado. Finalmente, 7o Grupo de Câmaras do tribunal paulista seguiu o voto do relator, desembargador França Carvalho, e decidiu, de forma unânime, pela absolvição do réu sob a alegação de que a retratação das então vítimas era suficiente para a revisão da condenação. Cabe recurso da decisão.
O pedido de revisão criminal analisado pelo TJ-SP foi o primeiro caso apresentado à Justiça pela organização não governamental Innocence Project Brasil, criada em 2016 por um grupo de advogados criminalistas de São Paulo que presta assessoria jurídica a pessoas vítimas de erro judicial. No momento, a Innocence Project analisa 56 pedidos de assistência advindos de todas as regiões do país.
Segundo a advogada Dora Cavalcanti, fundadora da ONG Innocence Project, criada em 2016 por um grupo de advogados criminalistas de São Paulo que presta assessoria jurídica a pessoas vítimas de erro judicial, o recurso de Atercino avançou ao levantar novos depoimentos e um laudo psicológico que refutou a possibilidade de os irmãos terem sido abusados sexualmente pelo condenado.
"Foi um caso que a gente estudou muito. Tivemos desde o início a absoluta certeza de que se tratava de um erro judicial em que essas crianças, hoje adultas, foram coagidas e forçadas a criar essa ficção", disse a advogada de defesa.
Em agosto, os irmãos – diante do juiz da 4ª Vara Criminal de Guarulhos e de um membro do Ministério Público (MP-SP), reafirmaram a inocência do pai. Descreveram torturas supostamente praticadas pela amiga da mãe, como ajoelhar em grãos de milho e espancamentos com cabos de vassoura.
A violência era tanta, segundo o filho mais velho, Andrey Camilo Lima, 24 anos, que ele fugiu de casa algumas vezes para ir morar em abrigos. Já adultos, os irmãos procuraram o pai, que os recebeu bem.
Atercino será posto em liberdade assim que o alvará de soltura for expedido pela Justiça. "Ele vai voltar para casa e se restabelecer. Não esperava um resultado tão positivo como esse", disse Aline Lima, filha do vendedor.
A denúncia
A história da condenação de Atercino remonta a 2002. Após uma década de casamento, ele e sua mulher, uma assistente comercial, separaram-se. Ela foi morar com sua amiga e os filhos. Atercino casou-se novamente.
Em dezembro de 2003, as crianças foram levadas pelas duas mulheres à Delegacia da Mulher de Guarulhos. Aos policiais e uma psicóloga, disseram ter sido vítimas de abuso pelo pai, antes da separação.
Tudo começou com a amiga da mãe. Ela disse à polícia que "passou a desconfiar" que "algo estava acontecendo" depois que o menino teria chegado da escola com sinais físicos de maus-tratos. Após "apertá-lo", expressão usada por ela, alertou a mãe, que levou todos à polícia.
A Promotoria pediu a condenação de Atercino a 45 anos de prisão. Arrolou como testemunhas apenas as crianças, a mãe e sua amiga. Após recurso, o TJ-SP reduziu a pena para 27 anos de reclusão.