Associações de magistrados recorrem reiteradamente ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para obter vantagens financeiras. No órgão de controle do Judiciário responsável por punir desvios e zelar por questões administrativas, as entidades acumulam vitórias desde 2020. Já são cinco, e a investida mais recente tenta ampliar um auxílio pago quando há um alegado excesso de novos processos ajuizados.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) entrou com ação para diminuir a quantidade de litígios que justifiquem o pagamento da chamada gratificação por exercício cumulativo de jurisdição (GECJ).
Se o pleito for atendido por via administrativa – no caso, no CNJ -, não legislativa – no Congresso -, mais magistrados poderão ser beneficiados com esse bônus, além de o dinheiro extra, equivalente a um terço do salário, também poder cair nos contracheques de juízes de todo o País e de todos os ramos do Judiciário.
O pedido se soma a uma série de representações feitas pela Anamatra, Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Juristas e especialistas em gestão pública veem drible no Legislativo para conquistar mais remuneração, com consequente alta do custo do Judiciário. Só no caso do novo pedido na Justiça do Trabalho, o impacto anual estimado é de R$ 167 milhões.
"O CNJ como órgão censor e de administração da Justiça para efeito de dar celeridade à atividade jurisdicional praticamente acabou. As associações viraram verdadeiros sindicatos, onde elas se preocupam exclusivamente com o benefício para os magistrados. Elas não se preocupam absolutamente com a imagem dos magistrados, com a eficiência da Justiça. Isso não interessa", disse Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça. Procurado, o CNJ não quis se manifestar.
Em 2020, conselheiros decidiram a favor da Anamatra ao estender esse bônus a magistrados de segunda instância, permitir o recebimento da gratificação por juízes com sentenças em atraso e incluir na conta a carta precatória, quando uma ordem de uma vara é executada em outra.
Também naquele ano, o CNJ acatou um pedido da AMB e levou o benefício às Justiças estaduais. Ainda em 2020, o órgão, a pedido da Ajufe e da Anamatra, mandou tribunais comprarem um terço de férias dos juízes, que, diferentemente de um trabalhador regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), têm 60 dias de férias, não 30.
<b>Uniformização</b>
Agora, a ideia da Anamatra é reduzir de 1.500 para 750 o número de novas ações para o cálculo da gratificação. A entidade afirma que cada tribunal trata o assunto de uma forma distinta. Com a alegada quebra de isonomia, faltaria uma uniformização.
"A Anamatra entende que a medida é necessária, a fim de promover maior produtividade e qualidade nos serviços desenvolvidos, em especial pela Justiça do Trabalho, que já acumula um déficit superior a 320 cargos de juízes do trabalho no País", diz a entidade, em nota.
Em manifestação ao CNJ no dia 12 deste mês, o presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Emmanoel Pereira, afirma que o pedido "de natureza político-corporativa" já era esperado. "A análise histórica do tema revela sem dificuldade a referida estratégia." Entende-se por estratégia a atuação da Anamatra nas ações no CNJ que estenderam o pagamento do bônus.
De acordo com ele, "o passo seguinte seria a busca da universalização no 1.º grau". "E o caminho natural para isso seria a redução do quantitativo de processos configurador de acervo, o que é exatamente o pedido no presente feito", diz.
Um juiz substituto recebe R$ 32 mil por mês. Nesse caso, o bônus é de R$ 10,7 mil, limitado ao teto constitucional, de R$ 39,3 mil – a remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
<b>Afronta</b>
Para o professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP) Floriano de Azevedo Marques Neto, a estratégia "afronta a legalidade". "Não se nega a competência normativa do conselho, mas isso não lhe dá competência para criar despesa nem para fazer política remuneratória à margem dos limites constitucionais e legais", disse.
A solução administrativa, segundo o economista e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV) Gustavo Fernandes, causa risco fiscal. O caminho, de acordo com ele, é a via democrática, ou seja, a apresentação de pautas ao Congresso, onde se decide o Orçamento. "Há muito pagamento de benefícios pouco relacionados com produtividade", afirmou.
Ex-presidente da Anamatra e professor de Direito do Trabalho da USP, Guilherme Feliciano tem outra avaliação. "Não é criar uma remuneração. O que se constatou é que o CSJT regulamenta isso de uma maneira muito diversa do que os outros tribunais fizeram", afirmou Feliciano.
<b>Vagas abertas</b>
As entidades são a favor do bônus. A presidente da AMB, Renata Gil, defende a autonomia dos tribunais em delimitar o número de ações para o bônus, mas diz que a regulamentação na Justiça do Trabalho não reflete a realidade. "Para você ter trabalho igualitário entre todos os que estão realizando a mesma função, você precisa fazer a compensação."
O presidente da Ajufe, Eduardo André Brandão, afirmou que a gratificação existe para responder à "falta de juízes" cada vez maior no País. "Muito se fala do juiz, mas na verdade quem ganha é o Estado. Você paga muito menos." Sobre o pedido da Anamatra, o CNJ disse que não vai se manifestar porque o plenário ainda vai deliberar sobre o tema. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>