A onda de lama da mineradora Samarco chegou com tudo ao oceano no domingo, 22, formando uma enorme mancha marrom que se projetava quilômetros mar adentro desde a foz do Rio Doce, em Linhares, no norte do Espírito Santo. Uma pluma inicial de água barrenta já havia atingido a costa no fim da tarde de sábado, mas o que se formou ontem foi uma mancha muito mais escura e densa, com aparência de leite achocolatado.
A área afetada faz parte da Reserva Biológica de Comboios, uma área de proteção costeira usada para desova de tartarugas-marinhas, incluindo a tartaruga-de-couro, uma espécie criticamente ameaçada de extinção. O coordenador nacional do Centro Tamar-ICMBio, Joca Thome, sobrevoou a mancha ontem à tarde e voltou para terra visivelmente emocionado. “Nem sei o que falar. É terrível; uma calamidade”, disse, após sair do helicóptero. “Parece uma gelatina marrom se esparramando mar adentro.”
A onda de lama percorreu 650 km de rio desde o rompimento da barragem de Mariana (MG), no dia 5. O desastre deixou 8 mortos identificados e 11 pessoas desaparecidas – há ainda quatro mortos não identificados – e chegou à costa capixaba no pico da época de desova das tartarugas. Equipes do Tamar vinham retirando diariamente da praia de Regência – distrito de Linhares – os ovos colocados pelas tartarugas, numa média de 40 ninhos por noite. O local continuará a ser monitorado, para ver como as tartarugas reagem à presença da lama.
A previsão do Ministério do Meio Ambiente, baseada em projeções feitas por uma equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), era de que a lama se espalharia por 9 quilômetros da costa do Espírito Santo. Mas os técnicos que estão acompanhando a chegada da mancha em Regência acreditam que a área afetada será muito maior. “Só o que eu vi hoje parece ser mais do que isso”, disse Thome.
Dezenas de quilômetros rio acima, passando por Linhares e até depois de Colatina, as águas do Rio Doce continuavam marrons ontem, mostrando que há muita lama para chegar ao mar. Pesquisadores alertam que os sedimentos, independentemente de serem tóxicos, vão afetar profundamente os ecossistemas fluviais, terrestres e oceânicos da Bacia do Rio Doce.
No domingo, pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) já recolhiam peixes mortos na desembocadura do rio. Analisando os animais manualmente era possível ver claramente que suas guelras estavam impregnadas de lama. Mesmo com os níveis de oxigênio da água dentro do normal, esse “entupimento” das brânquias impede os peixes de respirar e eles morrem asfixiados.
Iceberg
A mortandade de peixes, porém, é apenas “uma pontinha do iceberg”, segundo o biólogo Paulo Ceccarelli, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (Cepta), do ICMBio. O problema maior, e de mais longo prazo, é a extinção do plâncton e de outros pequenos organismos que formam a base da cadeia alimentar, que terá um efeito cascata sobre todo o ecossistema, impactando desde os herbívoros aquáticos até o carnívoros terrestres.
Para piorar a situação, é época de desova no Rio Doce, o que significa que, para cada peixe ovado que morrer, outras dezenas ou até centenas de peixinhos deixarão de nascer. E mesmo que nasçam, diz Ceccarelli, não haverá plâncton, algas ou pequenos crustáceos na água para eles se alimentarem. Sem peixes, faltará alimento para outros animais, como garças e lontras, e assim por diante. “Cada vida que é extinta do ecossistema leva muitas outras junto”, sentencia o pesquisador.
“Isso aqui vai virar uma camada fóssil”, diz o biólogo Dante Pavan, do Grupo Independente de Análise de Impacto Ambiental (Giaia), um consórcio de cientistas que se juntaram para responder ao desastre do derramamento de lama.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.