Enquanto as consequências da Operação Lava Jato na América Latina ameaçam ex-presidentes e respingam nos atuais, na Argentina a Justiça não pode multar, sancionar ou chegar a um acordo com a Odebrecht, apesar de a construtora ter confessado ter pago US$ 35 milhões em propinas no país entre 2007 e 2014, no mandato da ex-presidente Cristina Kirchner. O mesmo vale para outras 97 empresas, que começam a ser investigadas na Lava Jato local.
Sem uma lei que estabeleça um regime contra empresas que subornam funcionários públicos, a ação judicial é limitada. O código penal argentino só prevê sanções por corrupção para pessoas físicas. Para as empresas, nem mesmo há sanções administrativas. “Não tenho um regime penal para enquadrar a Odebrecht. Não posso nem mesmo fazer um acordo econômico com a empresa”, disse Sergio Rodríguez, responsável pela Procuradoria de Investigações Administrativas (PIA) que investiga cinco empreiteiras implicadas pela Lava Jato no Brasil e as suas 93 parceiras locais que tiveram obras contratadas pelo Estado argentino.
A investigação preliminar de Rodríguez concentra-se nas brasileiras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Também as argentinas Contrera Hermanos e Techint porque as suas filiais no Brasil aparecem envolvidas, respectivamente, no esquema de propina da Petrobras e de formação de cartel para controlar licitações no caso Eletronuclear.
“Essas cinco empresas tiveram muitas obras em quantidades quase iguais. Vinculadas a essas, temos as outras 93. O número pode aumentar quando o Brasil e os ministérios do governo argentino me responderem”, prevê Rodríguez, que pediu informação a todos os ministérios, ao Tesouro e ao departamento de orçamento do Ministério da Fazenda sobre as obras e todos os pagamentos entre 2006 e 2015.
Os US$ 35 milhões que a Odebrecht admite ter pago na Argentina relacionam-se com três projetos que ainda não foram revelados. O cruzamento de informações, no entanto, permite aos investigadores apontarem a dois já com causas abertas na Argentina: uma planta de tratamento da água do Rio Paraná de Las Palmas e o soterramento da linha ferroviária Sarmiento, que a Odebrecht ganhou em parceria com a empreiteira argentina Iecsa.
A terceira obra seria o bilionário contrato com a Odebrecht para a ampliação de dois gasodutos (Norte e Sul). O custo previsto em 2006 foi de US$ 2,3 bilhões, mas já está defasado. Três organismos de auditoria e controle do país detectaram irregularidades que vão de preços inflados a pagamentos antecipados sem realização de trechos.
Entre os investigados estão o ex-ministro de Planejamento Julio de Vido e o ex-secretário de Transporte Ricardo Jaime, já preso por outras causas de corrupção – ambos da administração de Cristina Kirchner. A empreiteira Iecsa pertence ao primo do presidente Mauricio Macri, Ángelo Calcaterra, que comprou a empresa em 2007, de Franco Macri, pai do presidente. “Vamos analisar todo o quadro societário da empresa”, indica Rodríguez.
Ainda não é possível afirmar se o suborno se destinava a financiamento de campanhas, enriquecimento pessoal ou ambos. “Suspeitamos que a engenharia financeira que a Odebrecht desenvolveu para pagar subornos no Brasil tenha sido a mesma aqui”, afirma Rodríguez.
As armas da Justiça argentina são bem mais limitadas. Em outubro, Macri enviou ao Congresso um projeto que cria um regime de sanções a empresas, nacionais ou estrangeiras, privadas ou públicas, que subornarem funcionários públicos tanto em nível nacional quanto internacional.
A iniciativa que incorpora a delação empresarial, crucial na luta contra a corrupção, é uma exigência da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual a Argentina quer se integrar. O projeto não foi votado. Em dezembro, o acordo firmado entre a Odebrecht e autoridades brasileiras, americanas e suíças passou a pressionar o Congresso argentino, que retoma as atividades hoje. No discurso de abertura das sessões legislativas, Macri deve pedir a aprovação da lei.
Reforço
Em relação a pessoas físicas, só em outubro o país passou a contar com uma lei de delação premiada em casos de corrupção. No país, apenas indivíduos podem ser sancionados.
Esses elementos ajudam a explicar por que a Argentina é um dos países mais atrasados na investigação de subornos da Odebrecht, quando comparada, na região, com Peru, onde há uma ordem de prisão contra o ex-presidente Alejandro Toledo, ou com Colômbia, por exemplo. “Essas investigações nos países da região e fundamentalmente no Brasil estão estruturadas em mais de 90% em provas obtidas por meio de delações. A lei na Argentina existe há poucos meses. Até então não havia nenhuma possibilidade, em matéria de corrupção, de algum acordo com processados”, lamenta.
O MP argentino só poderia solicitar bloqueios com um processo penal avançado ou a restituição dos bens frutos dos delitos com uma sentença condenatória. Caberia ao Executivo, no âmbito civil, a aplicação de ações de ressarcimentos.
Países como Peru, Colômbia, Panamá, República Dominicana e Equador multaram e chegaram a acordos com a Odebrecht.
Questionado pela reportagem sobre o tema em seu gabinete no dia 6, Macri não indicou sanções à empresa. “Se assinarem um protocolo de transparência e confessarem com quem fizeram transações na Argentina, poderão continuar trabalhando na Argentina.”