"Operação prende condenado do mensalão e doleiro do Banestado." Assim anunciou o <b>Estadão</b>, em 17 de março de 2014, ao relatar uma investigação da Polícia Federal que envolveu 400 policiais federais, em seis Estados e no Distrito Federal, e desmontou um esquema de desvios e lavagem de dinheiro estimado, à época, em R$ 10 bilhões. A ofensiva, batizada de Lava Jato por envolver lavanderias e postos de combustíveis, atingiu inicialmente os doleiros Alberto Youssef, já na mira por irregularidades denunciadas na CPI do Banestado, e Carlos Habib Chater. Era de Habib o posto que servia de caixa eletrônico dos doleiros.
Na próxima quarta-feira, dia 17, a Lava Jato completa sete anos. Nesse período, o então juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva protagonizaram momentos decisivos da operação. Magistrado e réu, eles foram do céu ao inferno. Nas ruas, o então juiz virou o boneco inflável "Super Moro" e Lula, um outro personagem, vestido de presidiário.
A operação teve seu auge com a prisão do petista e começou a declinar com a decisão de Moro de deixar a magistratura e virar ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro, eleito no rastro do discurso de combate à corrupção. Lula acusa o ex-juiz de agir com parcialidade. Fora do governo e agora questionado por sua conduta, Moro permanece na lista de presidenciáveis de 2022. O petista passou a fazer parte desse grupo na última segunda-feira, quando o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, anulou suas condenações.
A operação teve 80 fases. A mais recente, no mês passado, mirou marqueteiros. Ao todo, 120 delações premiadas foram homologadas pelo STF, viabilizando o pagamento de multas que totalizaram R$ 1,37 bilhão. A Lava Jato alterou o jogo do poder, dando combustão ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, até ser minada por decisões do STF e da Procuradoria-Geral da República. Por fim, a imagem da operação foi corroída com a divulgação de mensagens, obtidas por hackers, entre Moro e procuradores.
<b>2014. Primeiras delações homologadas</b>
Em 29 de setembro, o relator da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki, homologa o acordo de colaboração do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa. O executivo foi nomeado para o cargo por pressão de Lula, segundo o então deputado Pedro Corrêa (PP-PE). Pelo acordo, Costa devolveu US$ 25,8 milhões, além de uma Land Rover de R$ 300 mil, que ganhou do doleiro Alberto Youssef, e pagou multa de R$ 5 milhões.
<b>A regra do jogo</b>
Em 8 de outubro, após o primeiro turno da eleição presidencial – em que Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) foram para o 2.º turno -, Costa e Youssef, presos em Curitiba, são interrogados pelo então juiz federal Sérgio Moro. Eles confessam que a corrupção era "a regra do jogo" nos contratos da Petrobrás. Os primeiros delatores da Lava Jato disseram que políticos de PT, PP e MDB recebiam 3% dos valores dos contratos. Afirmaram que dinheiro da corrupção havia patrocinado a campanha de 2010. As revelações dão nova dimensão à Lava Jato, arrastando as empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. "Quem não paga não participa", disse Costa. Em novembro, a PF deflagra a Operação Juízo Final, colocando na cadeia executivos da Camargo Corrêa, OAS e Mendes Junior e o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, o "homem do PT" no esquema. A operação mostra os resultados das delações de Costa e Youssef. "Que país é esse?", foi a frase dita por Duque ao ser preso em sua casa.
<b>2015. Inquéritos contra parlamentares</b>
Em 6 de março, o Supremo determina a abertura de investigação contra 47 políticos suspeitos de envolvimento no esquema na Petrobrás. As delações de Youssef e Costa embasam os inquéritos. Pela primeira vez na história, o STF autoriza a abertura de investigação criminal contra a cúpula do Legislativo. Renan Calheiros (MDB-AL) e Eduardo Cunha (MDB-RJ), então presidentes do Senado e da Câmara, atuariam como "funcionários" de empreiteiras, segundo o Ministério Público. Três meses depois, em junho, a Lava Jato prende os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo. Começa a contraofensiva jurídica contra a Lava Jato, com a entrada de grandes escritórios de advocacia.
<b>2016. PF bate na porta da jararaca</b>
"Vocês não trouxeram o japonês da Federal também, né?" A pergunta, em 4 de março, do ex-presidente Lula aos delegados da Lava Jato, assim que abriu a porta de seu apartamento, em São Bernardo do Campo (SP), quebrou um pouco a tensão. O petista seria levado coercitivamente a mando de Moro para ser ouvido no Aeroporto de Congonhas, sob forte esquema de segurança, pressão de políticos aliados e manifestações de apoiadores. A essa altura, o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia já eram o foco dos investigadores. Na sede do PT em São Paulo, Lula desafiou a Lava Jato. "A jararaca está viva", esbravejou ele ao afirmar que seria candidato em 2018.
<b>Dilma cai e Moro é questionado</b>
Em 16 de março, Moro levanta o sigilo de escutas telefônicas de um celular usado por Lula, para o qual a presidente Dilma Rousseff liga avisando que o nomeara ministro da Casa Civil. A quebra de sigilo de Dilma é criticada por juristas. A força-tarefa da Lava Jato viu na conversa da presidente uma manobra para dar foro privilegiado ao petista e evitar uma ordem de prisão. Com a divulgação da conversa, uma multidão se reúne em frente ao Planalto num protesto ao governo. A posse de Lula é barrada por Gilmar Mendes, agravando a crise. Teori rejeita a gravação por entender que foi violada a competência do Supremo. A presidente sofre impeachment. Depois, a Corte afasta Eduardo Cunha, outro algoz de Dilma, do comando da Câmara.
<b>A força-tarefa carioca</b>
Com base na investigação sobre a Eletronuclear, o MPF cria, em 7 de junho, a força-tarefa da Lava Jato no Rio. Em novembro, o ex-governador Sérgio Cabral é preso por denúncias de desvios de verbas de obras. Dali em diante, Cabral sofreria uma série de condenações, que hoje somam mais de 300 anos de pena.
<b>2017. Cai o avião do ministro</b>
Em 19 de janeiro, Teori Zavascki morre em acidente aéreo na costa de Paraty, no Rio. O episódio lança incertezas sobre o destino da operação. Na época, a equipe de Teori finalizava a análise dos depoimentos de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht. De perfil técnico e discreto, o magistrado destoava dos colegas de plenário. Sob o impacto da morte de Teori, a então presidente do STF, Cármen Lúcia, homologa 77 delações da empreiteira baiana, chamadas na época de "delação do fim do mundo". Um sorteio eletrônico elege Edson Fachin novo relator da operação.
<b>Lula e Moro frente a frente</b>
Em 10 de maio, o ex-presidente é interrogado pelo juiz em Curitiba, no processo do triplex do Guarujá (SP), que teria sido reformado pela OAS, como forma de pagamento de propinas. Em um interrogatório que começou às 14 horas e avançou pelo início da noite, Moro afirma que não tem desavença pessoal com Lula e que a acusação foi feita pelo Ministério Público Federal. Dois meses depois, Moro condena Lula a 9 anos e 6 meses de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex. Em entrevista para apresentar a denúncia, o procurador Deltan Dallagnol usa um "PowerPoint" em que coloca Lula no centro de vários escândalos.
<b>Tem de manter isso aí, viu?</b>
Em 17 de maio, o jornal O Globo revela uma gravação feita pelo empresário Joesley Batista, em conversa com o presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu. A Procuradoria acusa Temer de tentar comprar o silêncio de Eduardo Cunha. Um aliado do presidente, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, é filmado carregando uma mala com R$ 500 mil e acaba na cadeia. A Câmara dos Deputados derruba denúncias contra Temer feitas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
<b>2018. Lula preso</b>
Em 5 de abril a prisão de Lula é expedida após ele ter sido condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região por corrupção e lavagem no caso do triplex. Por unanimidade, os desembargadores ampliam a pena que havia sido imposta por Sérgio Moro para 12 anos e 1 mês de prisão. O petista resiste por dois dias à ordem de Moro, entrincheirado no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, e se entrega no dia 7, um sábado. Lula tem o registro de candidatura negado pelo TSE.
<b>STF derruba um pilar da Lava Jato</b>
Em 14 de junho, o Supremo decide que a condução coercitiva de investigados viola a Constituição – a medida era um pilar da Lava Jato.
<b>Moro diz sim a Bolsonaro</b>
Jair Bolsonaro, um deputado do baixo clero, vence a eleição presidencial. Em 1.º de novembro, o juiz Sérgio Moro chega ao condomínio do presidente eleito, na Barra da Tijuca, para aceitar o convite de comandar o Ministério da Justiça do futuro governo. Era o fim de uma carreira de 22 anos na magistratura e da Lava Jato.
<b>A rachadinha do Rio</b>
Em 8 de novembro, o MPF consegue a prisão de dez deputados estaduais do Rio. Na Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato, produziu-se o relatório do Coaf, revelado pelo <b>Estadão</b>, que identificou movimentações de R$ 1,2 milhão nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro denunciado como operador das "rachadinhas".
<b>2019. Temer preso</b>
Em 21 de março, a Lava Jato do Rio consegue a prisão preventiva de Temer. O suposto esquema de corrupção e lavagem teria desviado pelo menos R$ 18 milhões. O foco da investigação era a usina de Angra 3 e a empresa Engevix. Logo seria solto.
<b>Hackers no caminho da Lava Jato</b>
Em 9 de junho, o site The Intercept Brasil começa a divulgar mensagens privadas atribuídas a Moro e a procuradores sobre o andamento da Lava Jato. Os textos foram obtidos por um grupo hacker. Lula acusa Moro de agir em conluio com investigadores para atingi-lo.
<b>Um procurador-geral contra a Lava Jato</b>
Crítico da Lava Jato, Augusto Aras é indicado por Bolsonaro e, em 26 de setembro, assume a Procuradoria-Geral da República, sem disputar a eleição interna. Aras lança ofensiva para enquadrar as forças-tarefa da Lava Jato.
<b>STF abre caminho para soltar Lula</b>
Em 7 de novembro, em um dos maiores reveses da Lava Jato no STF, os ministros derrubam a possibilidade de execução antecipada da pena. O entendimento abre caminho para a soltura de Lula.
<b>2020. Moro se demite</b>
Em 24 de abril, após ver a agenda anticorrupção esvaziada pelo Planalto e o Congresso, Moro deixa o governo e acusa Bolsonaro de tentar interferir na PF para obter informações sigilosas. Hoje, é consultor de empresa que atende a Odebrecht.
<b>Indicação ao STF e Centrão</b>
Em 1.º de outubro, presidente Jair Bolsonaro indica para o STF Kassio Nunes Marques, apoiado pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), alvo da Lava Jato. O ministro altera a correlação de forças da Corte, em desfavor da Lava Jato.
<b>2021. Fachin anula condenações de Lula</b>
Em 8 de março, Fachin derruba as condenações de Lula. É uma tentativa de esvaziar a discussão sobre a suspeição de Moro. No dia seguinte, Gilmar Mendes contraria o relator e coloca para julgamento a discussão sobre a atuação de Moro no caso do triplex – o que pode ser a pá de cal na Lava Jato.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>