O jornal O Estado de S. Paulo pediu uma crítica para o filme da Lava Jato, “Polícia Federal: A Lei é para Todos”, que estreou nesta quinta-feira, 7 de Setembro, em todo País. De início aviso que não sou crítico de cinema, apesar de gostar de filmes, e acompanho profissionalmente as investigação do escândalo Petrobrás desde 2014, em Curitiba (PR).
A questão primordial que coloco é: assistir ou não assistir? Antes de mesmo de se bom ou ruim – algo que, de antemão, aviso não vou escrever. Sou dos que não se deixa de perguntar “o que seria dos filmes não tão bons, dos mediados e até dos ruins, se assistíssemos apenas aos bons filmes? Filmes são pinturas em movimento, que retratam a história ou a imaginação de alguém. São arte, necessários, gostem ou não deles.
Com respeito a todas opiniões de estilo, gosto ou técnica, “Polícia Federal: A Lei é para Todos” nasce necessário – antes mesmo de concebido – por dois motivos: o peso da história narrada e o fator “primeiro longa” a projetar nas telonas o escândalo Petrobras. O filme desperta o interesse e prende a atenção do início ao fim (tem 1h50 de duração).
Feito para ser um thriller policial blockbuster, o filme foi exibido em todo Brasil pela primeira vez nesta quinta de feriado. Ele traz um recorte temporal da Lava Jato ao contar como iniciaram as apurações da Polícia Federal, em Curitiba, em 2013, pela narrativa do delegado Ivan, vivido pelo experiente Antonio Calloni.
O filme é propaganda pura da atuação da Polícia e não esconde isso – portanto, se for um incomodo, não assista. Criticar esse tipo de enfoque é ignorar a liberdade poética do cinema. O traficante Pablo Escobar retratado pela série “Narcos” – do diretor José Padilha – sob a narrativa dos agentes norte-americanos é bem diferente do Escobar produzido na Colômbia – ambas as séries estão disponíveis no Netflix.
Em ritmo acelerado e uso de recursos de animação, recortes de cenas reais e um contexto histórico sobre a corrupção desde o período colonial – alguns desnecessários -, o filme conta como a investigação de 2013 sobre lavagem de dinheiro de doleiros, velhos notórios da Justiça, chegou a Alberto Youssef (interpretado por Roberto Birindelli), uma das figuras-chave da Lava Jato, atingiu os ex-diretores da Petrobras, em 2014, chegou à prisão tensa do “príncipe” dos empreiteiros, Marcelo Odebrecht, em sua mansão em São Paulo, em 2015, e alcançou seu ápice com a operação de condução coercitiva de Lula, em 4 de março de 2016. À partir dali, são cenas dos próximos filmes – o dois já está em gestação – anunciadas como encerramento.
Ficção e realidade
“É um filme, não um documentário”, alerta o diretor Marcelo Antunez – que antes havia rodado os irrelevantes “Qualquer Gato Vira-lata 2” e “Até que a Sorte nos Separe”. Com a Lava Jato, a história é outra. Com ares de superprodução (foi rodado em Curitiba, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro), antes de começarem as gravações, o longa levantou polêmica pela “consultoria” dada pela Polícia Federal e pelo investimento secreto de R$ 15 milhões.
Como a arte comporta, o filme conta a Lava Jato com cores saturadas, borrões impressionistas e uma boa dose de imprecisão – algumas intencionais, como a troca temporal de fatos da vida familiar dos delegados durante as operações – e clichês. E tem como atrativo ao grande público atores consagrados e caras conhecidas das novelas do horário nobre da TV: Flávia Alessandra, Rainer Cadete, Bruce Gomlevsky e João Baldasserini, entre outros.
A cena de ação que abre o filme de uma perseguição da PF a um caminhão de palmitos recheados de cocaína no interior de São Paulo é um exemplo de realidade saturada. A apreensão ocorreu e era o elo do crime de tráfico com a lavanderia de dinheiro do doleiro Carlos Habib Chater, dono do Posto da Torre, em Brasília, onde Youssef movimentava propinas. Mas a reação do motorista da carreta que saca uma 12 cano cerrado e dispara contra a viatura dos federais faz parte da ficção – não houve disparos na abordagem da vida real.
O estado de alerta que o filme gera oscila para o de descontração em três cenas: quando o juiz Sérgio Moro, vivido por Marcelo Serrado, faz uma piada com o filho, ao negar que ele chegue mais tarde em casa, quando o “japonês da Federal” aparece para levar Lula coercitivamente para depor e quando a voz rouca e inconfundível do ex-presidente manda um “Oi, querida” para Dilma Rousseff, no grampo – o áudio rodado é o da Lava Jato.
Para quem está ambientado com as investigações – a menor parte de quem vai assistir -, o filme é curioso em alguns pontos, por exemplo, quando revela um Youssef irreverente e piadista na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. Mas exagera quando retrata a reação de Lula ao abrir a porta de sua casa para os policiais, na 24ª fase da Lava Jato. Vivido pelo ator Ary Fontoura, o ex-presidente apresentado no filme é pouco altivo, até frágil, distante da realidade que conheço.
O longa também borra o concreto com um universo de seriado norte-americano, tipo “CSI” e “Blacklist”, ao criar uma tecnologia para as ações internas da PF, como de monitoramento em tempo real dos passos de Youssef ao ser preso, algo que que não existiu.
Não espere um candidato a Cannes, mas não deixe de ter suas próprias opiniões sobre o filme. A narrativa prende a atenção de quem conhece a Lava Jato e tem uma olhar comparativo com a realidade. E de quem não conhece e deve saber que o relato a ser visto é o da Polícia Federal.