De Londres, ao fim de 10 minutos de papo com a imprensa brasileira por videoconferência, Jennifer Lawrence fez o que se espera da atriz de 27 anos, uma estatueta do Oscar na estante e dona da fama de ser “gente como a gente”. Findado o assunto, encerrada a última resposta e após o adeus dito pelo apresentador do lado brasileiro da transmissão e a tradicional “espero vocês no Brasil”, o diretor Francis Lawrence (o mesmo sobrenome é uma coincidência, ok?), agradeceu educadamente ao convite, enquanto Jennifer transformou o sorriso numa expressão de aperto. As câmeras ainda seguiam ligadas, microfones idem, e ela diz, rapidamente, bem baixinho. “Preciso ir ao banheiro”. Fim da transmissão. Uns poucos jornalistas daqueles reunidos naquela sala de cinema localizada em um shopping da zona sul de São Paulo, ouviram a frase. Quem viu, riu.
A entrevista foi realizada com o intuito de falar sobre o filme Operação Red Sparrow, nova aposta da atriz, mais uma vez dirigida por Lawrence, o mesmo diretor dos três últimos filmes da franquia Jogos Vorazes. “Francis possui uma visão muito clara do que ele quer”, elogia a atriz. “É ótimo trabalhar com alguém assim no set, porque você sabe que não terá surpresas.”
Diante das lentes de Lawrence, a atriz vive mais uma personagem forte, tal qual sua Katniss Everdeen, de Jogos Vorazes, uma mulher de força em um universo bastante masculino e opressivo. Neste caso, ela interpreta Dominika Egorova, uma bailarina russa de mãe doente que é agredida, perde a capacidade de dançar em alto nível e entra para o mundo da espionagem – sim, a história baseada no livro escrito por Jason Matthews se passa nos dias atuais, mas, nela, vive-se em tempos de guerra fria, mesmo com o seu declarado fim.
Na trama, Jennifer sofre por tentativas de estupro, passa por abusos morais dos mais diferentes tipos e transformada em objeto sexual e tratada com superioridade por todos os homens e militares ao seu redor. Dominika é jogada dentro de situações extremas, por vezes chocantes. A sobrevivência e a ascensão da personagem em Operação Red Sparrow funciona como uma metáfora para a transformação do universo de Hollywood após o estouro das acusações de abuso por parte do produtor Harvey Weinstein, algo que criou uma onda devastadora capaz de varrer das telas carreiras premiadas, vide o caso de Kevin Spacey. “Há cinco anos, esse filme seria interpretado de uma maneira diferente, sim”, concorda a atriz com a colocação da reportagem do Estado. “E isso funciona em nosso favor (do filme). É tudo ficção, mas que dá bastante força. Eu me senti empoderada ao fazer esse filme. Realmente, não havia momento melhor para fazer esse filme do que agora”, conclui ela. O diretor complementa ao explicar que Operação Red Sparrow teve sua produção iniciada três anos antes, logo, quando as denúncias contra Harvey ainda não existiam. “O que mostra que essas situações abusivas são comuns há muito tempo. É ótimo que cada vez mais pessoas estejam aparecendo e contando suas histórias”, conclui.
Jennifer conta que escolhe seus papéis de acordo com afinidade – “preciso saber se tenho química com essa pessoa que serei por, sei lá, seis meses”, conta. “Fico pensando: a gente se conecta?”, ela resume. “E também tenho minhas decisões profissionais, os tipos de papel que eu quero interpretar, se é um diretor com quem tenho vontade de trabalhar, essas coisas.” Desde 2011, quando estourou em bilheteria com o primeiro Jogos Vorazes, assumiu o papel de nova Mística, na adaptação dos quadrinhos dos X-Men e mostrou talento como Tiffany, em O Lado Bom da Vida, com o qual ganhou o Oscar, Jennifer é uma das atrizes com as portas mais abertas de Hollywood na atualidade.
Ainda assim, ela se mostra como a estrela de cinema que se perdeu com o tempo. Daquelas pessoas reais, não entorpecidas pelos media training, pelas entrevistas empacotadas, de cinco em cinco minutos, protegidas pelas suas paredes enormes em suas mansões, nos hotéis exclusivos e pelos seguranças brutamontes. Jennifer, é claro, não passa ao largo disso, mas suas reações hilárias ao encontrar os famosos em cerimônias como o Oscar, no último domingo, a aproximam do público geral. Afinal, ao final daquela videoconferência, a alta movimentação de jornalistas nos banheiros localizados do lado de fora da sala de cinema mostram que ela não era a única que precisava correr para lá.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.