Estadão

Líder de mercenários, rebelde russo, chef de Putin: as muitas facetas de Yevgeny Prigozhin

O destino de Yevgeny Prigozhin esteve ligado ao Kremlin por décadas – como prestador de serviços de confiança do Kremlin, e chefe do exército de mercenários Wagner, que lutou na Ucrânia e foi acusado de fazer o trabalho sujo da Rússia na Síria e na África.

Mas quando ele conduziu seus homens para Moscou, dois meses atrás, muitas pessoas dentro e fora da Rússia começaram a se perguntar quanto tempo ele duraria após despertar a fúria do presidente russo Vladimir Putin.

Prigozhin chegou a um acordo com Putin e o presidente de Belarus para obter refúgio para si mesmo e os homens envolvidos na rebelião. Houve relatos de que ele estaria indo periodicamente à Rússia, e no início do mês apareceu em um vídeo de recrutamento.

Na última quarta-feira, 23, porém, a agência de aviação civil da Rússia informou que ele estava em um avião que caiu ao norte de Moscou, matando todas as 10 pessoas a bordo.

<b>ANTECEDENTES DE PRIGOZHIN</b>

Prigozhin foi condenado a 12 anos de prisão em 1981 por roubo e lesão corporal. Quando saiu, abriu um restaurante em São Petersburgo na década de 1990. Putin era o vice-prefeito da cidade na época.

Prigozhin usou essa conexão para estabelecer uma empresa de fornecimento de alimentação e conseguiu lucrativos contratos com o governo russo, o que lhe rendeu o apelido de "chef de Putin". Mais tarde, expandiu seus negócios para outras áreas, incluindo a comunicação e a famigerada "fábrica de trolls" de internet que o levou a ser denunciado nos EUA por interferência nas eleições presidenciais de 2016.

O grupo Wagner foi visto pela primeira vez em ação no leste da Ucrânia, após a erupção de um conflito separatista em abril de 2014, nas semanas seguintes à anexação da Península da Crimeia pela Rússia. Na época, a Rússia negou ter enviado suas próprias armas e tropas, a despeito de fartas provas em contrário. O exército privado Wagner permitiu a Moscou um certo grau de negação.

Integrantes do grupo Wagner também foram enviados para a Síria, onde a Rússia apoiou o governo do presidente Bashar Assad em uma guerra civil. Na Líbia, lutaram ao lado das forças do comandante Khalifa Hifter. O grupo também atuou na República Centro-Africana e no Mali.

Mas foi só em setembro de 2022 que Prigozhin admitiu ter fundado, comandar e financiar o Wagner. Naquele ponto, seus mercenários, inclusive homens recrutados em prisões russas, estavam lutando e morrendo em grandes números na Ucrânia, especialmente na cidade destruída de Bakhmut.

<b>REPUTAÇÃO DE IMPLACÁVEL</b>

Prigozhin fomentou a reputação do grupo Wagner como implacável, e os mercenários foram acusados por países ocidentais e especialistas da ONU de violações de direitos humanos em toda a África, incluindo a República Centro-Africana, a Líbia e o Mali.

Um vídeo online de 2017 mostrava um grupo de pessoas armadas, supostamente prestadores do grupo Wagner, torturando e espancando um sírio até a morte com uma marreta antes de mutilar e queimar seu corpo.

Em 2022, outro vídeo mostrou um ex-integrante do grupo espancado até a morte com uma marreta depois de supostamente ter fugido para o lado ucraniano e sido repatriado.

Apesar da indignação pública e dos pedidos de investigação, o Kremlin seguiu fazendo vista grossa.

<b>GRUPO WAGNER NA UCRÂNIA</b>

O grupo assumiu um papel de visibilidade cada vez maior na guerra da Ucrânia, à medida que as tropas russas sofriam grande desgaste e perdiam território em derrotas humilhantes.

Prigozhin percorreu as prisões russas para recrutar combatentes, prometendo perdão de suas penas se sobrevivessem a uma missão de seis meses na linha de frente com o grupo Wagner.

Na entrevista, em maio, ele alegou ter recrutado 50 mil detentos, com cerca de 35 mil homens na linha de frente o tempo todo. Ele também disse ter perdido mais de 20 mil homens, metade deles ex-detentos, na batalha por Bakhmut.

Os EUA estimam que o grupo Wagner tenha cerca de 50 mil integrantes combatendo na Ucrânia, incluindo 10 mil prestadores de serviço e 40 mil ex-detentos.

<b>CUTUCANDO O URSO</b>

Prigozhin reivindicou todo o crédito pela captura de Soledar, uma cidade mineradora de sal na região ucraniana de Donetsk, e acusou o Ministério da Defesa da Rússia de tentar se apropriar da glória do grupo Wagner. Ele reclamou reiteradamente que os militares russos não teriam conseguido fornecer munição suficiente ao grupo para capturar Bakhmut e ameaçou retirar seus homens.

Após a captura de Soldear, Prigozhin tornou seu perfil cada vez mais público, gabando-se por meses quase diariamente sobre as supostas vitórias do grupo Wagner, zombando sarcasticamente dos inimigos e reclamando com muitos palavrões sobre o alto escalão das forças armadas.

Em 23 de junho, ele convocou um levante armado contra o ministro da Defesa e partiu da Ucrânia em direção a Moscou com seus mercenários. Suas forças assumiram o controle do quartel-general militar em Rostov-on-Don, uma cidade no sul da Rússia perto da fronteira com a Ucrânia, e continuaram a "marcha pela justiça" até parar a apenas 200 quilômetros da capital russa.

Putin rotulou Prigozhin de traidor com o desenrolar da revolta. Mas o processo criminal contra o líder mercenário por acusações de rebelião foi depois arquivado. Excepcionalmente, o Kremlin informou que Putin fez uma reunião de três horas com Prigozhin e comandantes do Grupo Wagner dias depois da rebelião.

Alguns mercenários do grupo se dirigiram a Belarus, mas o destino de Prigozhin e suas forças permaneceu incerto.

O presidente dos EUA, Joe Biden, sugeriu recentemente que Prigozhin era um homem marcado.

"Se fosse ele, eu teria cuidado com o que come. Ficaria de olho no cardápio", disse Biden, no mês passado.

Mas o homem que fez fortuna com alimentação não parecia intimidado em sua última aparição na segunda-feira, 21, dizendo aos aspirantes a recrutas do grupo Wagner que sua organização estava "tornando a Rússia ainda maior em todos os continentes".

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