A decisão do Federal Reserve de elevar a taxa de juros americana em 0,75 ponto porcentual – acima do meio ponto que o mercado esperava até os dados de inflação da semana passada, que resultaram em reformulação de expectativas – não impediu que o Ibovespa cortasse a série negativa e encerrasse hoje em alta de 0,73%, a 102.806,82 pontos, vindo de oito perdas seguidas que haviam consumido 10.329 pontos entre os fechamentos dos dias 2 e 14.
Hoje, à espera também da reação do Copom a um Fed que tem se mostrado mais duro no combate à resiliente inflação, a referência da B3 oscilou entre mínima de 102.046,47 (-0,02%), correspondente ao início da fala de Jerome Powell, presidente do BC americano, e máxima de 103.951,95, com giro a R$ 85,5 bilhões no fechamento, muito reforçado pelo vencimento de opções sobre o índice, nesta quarta-feira. Na semana, o Ibovespa ainda cede 2,54% e, no mês, 7,67% – no ano, a perda está em 1,92%.
No melhor momento da tarde, apenas Petrobras (ON -1,31%, PN -1,76% no fechamento) destoava de retomada bem distribuída entre as ações e os segmentos de maior peso no índice. Ao final, Vale ON mostrava leve baixa de 0,06%, com siderurgia refluindo também para o negativo (CSN ON -1,05%). O encerramento foi moderadamente positivo para as ações de grandes bancos, com BB ON (+1,58%) à frente, e melhor para as utilities, com destaque ainda para Eletrobras (ON +2,77%, PNB +2,75%).
"Nesse momento de muita incerteza ainda sobre a magnitude de aumento de juros pelo Fed, as empresas intensivas em capital, como as de tecnologia, do Nasdaq, oferecem risco maior, o que tende a favorecer setores mais consolidados, como bancos e indústrias de alimentos", avalia Rodrigo Marcatti, economista e CEO da Veedha Investimentos.
Na ponta de ganhos do Ibovespa nesta quarta-feira, Qualicorp (+14,64%), CVC (+13,19%), Banco Inter (+9,33%) e Natura (+8,08%). No lado oposto, Braskem (-2,27%), PetroRio (-1,48%), CSN Mineração (-1,46%) e BRF (-1,37%), além de ambas as ações de Petrobras.
Apesar de o desfecho do Fed ter ficado em linha com o esperado nesses últimos dias, a confirmação de que os custos de crédito na maior economia do mundo vão se tornando restritivos, em ritmo superior ao que se antecipava há pouco tempo, seria fator suficiente para moderar o apetite dos investidores por risco. Mas o mercado parece ter preferido olhar o copo meio cheio ao longo das explicações de Jerome Powell, nesta tarde – de início, Dow Jones e S&P 500 chegaram a oscilar para o negativo, colocando o Ibovespa na mínima do dia, que correspondia até então à abertura da sessão.
Na entrevista coletiva após o comunicado sobre a decisão, Powell disse que a elevação de 0,75 ponto nos juros é "incomumente" alta e que espera que "não se torne comum", embora tenha deixado a porta aberta para aumento de 0,50 ou 0,75 ponto na próxima reunião do comitê de política monetária, o Fomc, em julho. Powell observou também que, na visão do Fed, o nível neutro de juros nos Estados Unidos – o patamar em que nem estimulam nem restringem a atividade econômica, condizente com o potencial do PIB e inflação estável – está entre 2% e 3%, e que os dirigentes do BC esperam juros "modestamente restritivos" no fim do ano.
"A temida super quarta vinha sendo a vilã da semana até que veio o Dia D, e aí valeu o sentido de cair no boato e subir no fato. O resultado da reunião do Fed mostra a preocupação de trazer a inflação para perto da meta, de 2% no longo prazo, mas sem prejudicar a economia e deixar de alcançar o máximo emprego. A discussão passa a ser em quanto ficará o aumento nas próximas reuniões, o que dependerá também de como a inflação se comportará, assim como a economia americana", diz Eduardo Telles, especialista em renda variável da Blue3.
"A inflação nos Estados Unidos, desancorada, levava parte do mercado a esperar aumento de 0,75 ponto na reunião de hoje, tornando o Fed um pouco mais hawkish com a última leitura (sobre a inflação). O remédio é amargo mas necessário. Para o Copom, a expectativa é de meio ponto, com parte do mercado esperando 0,75 ponto, em postura mais dura, que deve prevalecer também na próxima reunião do Fed", diz André Rolha, líder de renda fixa e produtos de câmbio da Venice Investimentos.
Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest, chama atenção para a falta de unanimidade na decisão desta quarta-feira do Federal Reserve, na qual, por um lado, a instituição destacou o forte avanço da inflação – com fatores de risco externo que têm persistido, como a guerra na Ucrânia e os lockdowns na China – e, por outro, o aquecimento do mercado de trabalho americano – lembrando, observa a economista, que o mandato do Fed é dual, focado em inflação e emprego.