A princípio, o disco seria homônimo a esta reportagem. Estrela Ruiz, a idealizadora do projeto, queria deixar claro que, apesar de ter estourado recente e postumamente como poeta, Paulo Leminski também tinha um lado compositor.
“Quando comecei a falar sobre o disco, as pessoas diziam que eu estava musicando os poemas do meu pai, e não era isso”, conta. Ela lembrou que era comum as pessoas dizerem adorar a canção Verdura, atribuindo a autoria a Caetano Veloso, que gravou a faixa no disco Outras Palavras, de 1981. Achou que Verdura Não É do Caetano daria conta do recado. Depois, pensou melhor e decidiu por Leminskanções.
Ela lança o disco neste domingo, 24, e, para deixar claro que é apenas intérprete das canções, assina como Estrelinski e os Paulera, fazendo referência à banda de Leminski que, composta por dois Paulos e um Pedro, levava o nome de Duas Pauladas e Uma Pedrada. As músicas ficam disponíveis para download grátis no www.leminski.com.br – a ideia é liberar o acesso para que o público conheça a obra.
No mesmo dia, um show de lançamento do disco ocorre no Museu Oscar Niemeyer, às 19 h, em Curitiba – cidade onde o artista nasceu e morreu e onde Estrela vive hoje. É justamente no domingo que Leminski completaria 70 anos. A data ganha ainda mais significado com um de seus poemas, Quando Eu Tiver Setenta Anos, em que diz “quando eu tiver setenta anos / então vai acabar minha adolescência / vou largar da vida louca / e terminar minha livre-docência / vou fazer o que meu pai quer / começar a vida com passo perfeito (…)”.
O fator que impulsionou o disco, no entanto, não foi a efeméride. A semente foi plantada em setembro de 2009, quando Leminski foi tema de uma das ocupações do Itaú Cultural, em São Paulo. Na exposição – que tinha curadoria de Ademir Assunção e consultoria da mulher do poeta, Alice Ruiz -, textos, manuscritos e depoimentos em vídeo davam um panorama do legado do paranaense. No entanto, Alice sentiu que as composições não tinham o espaço que deveriam ter e pensou numa solução. “Foi minha mãe quem lançou esse desafio”, diz Estrela, que topou fazer um show, na abertura da ocupação, com as músicas do pai.
Àquela altura, ela já tinha uma trajetória com a banda Música de Ruiz (da qual também participa seu marido, Téo Ruiz). As 15 faixas executadas na apresentação não conseguiam contemplar a história do letrista. Além disso, Estrela foi instigada por amigos que diziam que o show podia render um álbum.
O sucesso do livro Toda Poesia – que, lançado em fevereiro de 2013 pela Companhia das Letras, tem mais de 90 mil exemplares vendidos – impulsionou a produção do disco. “Tentei editais para bancar o álbum, mas o projeto bateu na trave várias vezes. A visão era de que o CD mostraria uma faceta pouco conhecida de um autor que não era tão reconhecido”, lembra Estrela. Depois, o projeto foi aprovado via lei de incentivo da prefeitura de Curitiba.
A verba foi apenas a primeira dificuldade da produção. Era preciso, ainda, selecionar músicas em meio a um grande e bagunçado acervo. Segundo Estrela, Leminski cantava obsessivamente e gravava suas composições para mostrar aos parceiros. A maioria das fitas que sobraram (boa parte delas foi levada em um assalto quando a família morava em São Paulo) ficava na casa de Estrela. Outras estavam com amigos do poeta e foram entregues à cantora.
Desses registros saíram canções como a divertida e caipira Nois Fumo, única parceria de Leminski e Alice. Outras faixas tiveram de ser puxadas da memória. É o caso de Adão, que quase foi gravada por Moraes Moreira. Ele lembrava de um trecho da música e, partindo desse pedaço, Estrela e Alice se recordaram de uma estrofe. Estrela estava crente de que a estrofe era única, quando um amigo comentou que gostava de Adão e cantou uma segunda parte. No fim das contas, uma versão já estava gravada quando Moraes alertou que a melodia não era aquela. Em uma correção derradeira, Alice percebeu que a ordem de alguns versos estava trocada. “Foi a última faixa a entrar no disco”, conta Estrela. “A solução foi chamar amigos para todo mundo cantar junto, em um clima bem coletivo.”
Para concluir o disco, Estrela teve de lidar com a emoção gerada pelas frequentes lembranças familiares. “Só de colocar uma referência do The Police em uma música, eu já passava o dia inteiro quieta, sem conseguir falar com ninguém”, conta. A cantora chegou a chorar na tocante A Você Amigo – e o take entrou no disco.
O repertório era tamanho que acabou por gerar um disco duplo – um com 13 composições assinadas apenas por Leminski e outro com 11 parcerias. Os novos arranjos levam em conta as inspirações do letrista, sobretudo o seu gosto pelo rocknroll. Alguns artistas fazem participações especiais – como Arnaldo Antunes, em Não Mexa Comigo, e Zélia Duncan, em Sinais de Haicais. Estrela chamou Zeca Baleiro para acompanhá-la em Se Houver Céu, em uma feliz coincidência: era este um de seus maiores hits quando, ainda pouco conhecido, ele cantava em São Luís do Maranhão.
Além do lançamento virtual, o disco físico estará à venda em meados de setembro, em lojas de todo o Brasil, com preço ainda não definido. Uma versão em vinil e um songbook estão previstos para dezembro. E, se depender da vontade de Estrela, outros discos podem surgir. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.