O acordo de leniência fechado pela Odebrecht com procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato vai servir como base para uma série de outras investigações do Ministério Público nos Estados e municípios.
Um dos itens do documento, tornado público na sexta-feira, 20, com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo, prevê que os procuradores de Curitiba encaminharão os fatos criminosos que transcendam o escândalo de corrupção na Petrobras para os locais de competência para investigações.
Além de instruir inquéritos já abertos, a cláusula deve provocar uma série de outras apurações em áreas como obras de rodovias, saneamento, construções de usinas e estádios.
“Os fatos e condutas ilícitas constantes dos anexos a este Acordo de Leniência e que não sejam atribuição da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba serão apresentados pelo Ministério Público Federal ao membro do Ministério Público com atribuição para a investigação”, informa o acordo, assinado no dia 1º de dezembro pela Odebrecht.
O acordo de leniência ainda tem que ser homologado pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba, titular dos processos da Lava Jato, para alvos sem foro privilegiado. Nesta sexta-feira, o documento foi anexado a uma ação cível em que a Odebrecht é alvo.
Pela leniência, os procuradores federais e promotores estaduais poderão aderir ao acordo feito com a Lava Jato, “sem alteração de suas cláusulas”. Nesse caso, os investigadores de fora do caso Petrobras poderão requerer parte dos valores que a Odebrecht aceitou em ressarcir antecipadamente os cofres públicos: valor de R$ 3,62 bilhões.
No acordo de leniência, a Odebrecht assume 22 obrigações com o Ministério Público, para obter os benefícios de colaboradora. A companhia também se comprometeu a revelar aos procuradores da Lava Jato “fatos apurados por ela, independentemente de serem ou não conexos com os fatos investigados no âmbito da Operação Lava Jato, com intenção de ampliar na máxima extensão possível a sua proteção no âmbito deste Acordo” e “a utilidade pública deste Acordo”.
Segundo o documento, “os fatos ilícitos revelados que não sejam conexos com os fatos investigados no âmbito da Operação Lava Jato serão informados” de forma sumária “ao membro do Ministério Público com atribuição para a investigação, perante o qual o Ministério Público Federal empreenderá gestões para que adira a este Acordo”.
O objeto do acordo, assinado em 1º de dezembro e ainda não homologado, é amplo, e inclui além das unidades do grupo e seus funcionários, os prestadores de serviços e fornecedores da Odebrecht.
“São objeto deste Acordo de Leniência as condutas ilícitas de prepostos, empregados, administradores, dirigentes e terceiros contratados, inclusive fornecedores de bens e prestadores de serviços, desligados ou não, e acionistas de qualquer das empresas do grupo econômico integrado pela Colaboradora”, informa a Cláusula 4ª.
São alvos de interesse do acordo, ilícitos de “improbidade administrativa, irregularidades em licitações ou contratos administrativos, incluindo fraude à licitação e ao seu caráter competitivo, ilícitos eleitorais e/ou infrações contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem econômica tributária, concorrenciais, de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa, ou crimes de qualquer outra natureza”.
A Odebrecht se comprometeu a entregar para a força-tarefa da Lava Jato e para demais membros do Ministério Público que venham a aderir ao acordo, “documentos, provas, dados de corroboração, sistemas eletrônicos e de informática (como inclusive todos os dados do Sistema Drousys disponíveis à Colaboradora e às empresas de seu grupo econômico), base de dados, entrevistas documentadas e depoimentos prestados pelos Prepostos”.
Benefícios
O acordo, espécie de delação premiada de empresas, prevê pelo menos quatro eixos centrais de benefícios à Odebrecht, em troca de informações e documentos sobre pagamentos de propina e irregularidades em contratos públicos.
As medidas são para ajudar o Grupo Odebrecht a limpar seu nome no mercado, com os órgãos públicos e garantir a sobrevivência econômica da empresa.
A Odebrecht terá de pagar R$ 3,2 bilhões para Brasil, EUA e Suíça, detalhar contas secretas e fazer um relatório de ilícitos em contratos com a União e nos governos estaduais e municipais. Com o maior volume de contratos na Petrobras – são R$ 35 bilhões em negócios fechados em dez anos sob análise, sem contar Braskem, braço petroquímico da empreiteira -, a Odebrecht confessou fraudes em contratos, pagamentos de propinas, lavagem de dinheiro.
A Lava Jato aponta desvio de mais de R$ 40 bilhões na Petrobras, entre 2004 e 2014, por empreiteiras que agiram cartelizadas e em conluio com políticos – em especial do PT, PMDB e PP – e agentes públicos.
O acordo de leniência, com 26 páginas, foi assinado no dia 1º de dezembro e protocolado na sexta-feira, 20, na Justiça Federal, em Curitiba, em uma ação cível em que a Odebrecht é alvo. O acordo é assinado por 26 procuradores da República, de Curitiba e de Brasília, e deve ser homologado pelo juiz Sérgio Moro – que ainda não recebeu o documento.
O termo já foi homologado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, órgão do Ministério Público competente para analisar o ajuste, no dia 15 de dezembro.
Pelos termos do pacto, o grupo declara que “cessou seus envolvimento nos fatos ilícitos descritos” e que qualquer informação falta ou descumprimento de suas cláusulas resulta no rompimento do termo.
O presidente afastado do grupo, Marcelo Bahia Odebrecht, está preso desde 19 de junho de 2015, em Curitiba, e deve ser solto no final do ano, graças a seu acordo de delação premiada, feito na esfera criminal e que aguarda homologação no Supremo Tribunal Federal (STF). A morte trágica do relator da Lava Jato, ministro Teori Zavascki, na quinta-feira, 19, pode atrasar a conclusão do acordo.