Como protagonista de Combateremos a Sombra (Leya), a escritora portuguesa Lídia Jorge, que está em Ouro Preto para o Fórum das Letras, escolheu um psicanalista – um homem silencioso, que ouve as queixas e os segredos que seus pacientes não ousariam contar a mais ninguém, e que lê as tramas da sociedade. O problema, diz a autora, é que ele é profundamente ético e, portanto, vive um conflito entre seu compromisso com o paciente e seu dever como cidadão. Mas, como o complô descoberto por ele a partir de sua poltrona era grande demais e colocava em risco seu país, Portugal, Osvaldo Campos se envolve. “Ele interpreta uma tragédia moderna ao passar de ouvinte a ator, chamando para si o ódio das forças superiores ao tentar quebrar a trama dessa tragédia e tornando-se vítima dela”, explica a autora. E então seu livro se transforma num policial.
“Digamos que andei pelos caminhos da Agatha Christie sem querer”, brinca Lídia, que diz gostar do gênero, mas não do fato de que de início o morto já está morto. “O policial entretém-se com o caminho até chegar ao morto, mas o que me interessa é a razão profunda por que o morto está morto.”
E o que ela queria com essa obra era contar a história de um homem livre agindo sozinho, como diz, em face da totalidade. Algo invisível nas sociedades atuais, comenta. “O tema da coragem em contraponto com os meios da justiça e da sonegação que atravessam as sociedades e nossa vida íntima é uma das tragédias do século 20 e 21. E a literatura poucas vezes trata disso.”
Para ela, há um preconceito artístico em relação ao homem ético. “E minha aposta foi a de que existe um homem ético que pode ser personagem e que pode ser uma voz calada que simboliza sociedades inteiras caladas.” Ainda sobre essa totalidade, ela considera que um dos desafio atuais é a luta entre aquilo o que julgamos ser uma liberdade adquirida e uma prisão que não sentimos como prisão, “mas que nos aniquila e exige que exercitemos, isolados, liberdades para quebrar essa lógica de silêncio”.
Lídia Jorge, que lança também Antologia de Contos, já estava no Brasil no domingo passado, e de seu hotel em Higienópolis assistiu às manifestações de festa e fúria quando o resultado da eleição foi anunciado. Ela se assustou, mas viu o lado bom da situação. “Nunca se viu populações tão politizadas. As conquistas fazem-se passo a passo e o respeito ao diferente virá depois”, diz. E completa: “Quando vemos uma população capaz de ir para a rua, sabemos que ela ultrapassou o primeiro grau da fome e o primeiro grau do medo. Um dos problemas graves de Portugal hoje é que a população está manifestando um medo salazarista, de perder o pouco que ganhou, e eu tenho medo disso. E o mais chocante é perceber que, passados 40 anos, Portugal mantém o medo de falar em voz alta”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.