Fundada em 1952, desenganada em 2015 e, desde esse tempo, sob o risco de se transformar em mais uma farmácia ou lanchonete do centro do Rio, a Livraria Leonardo Da Vinci, uma das mais tradicionais da cidade, está a salvo. Acaba de ser comprada pelo livreiro gaúcho Daniel Louzada, que, com recursos próprios, quer modernizá-la e reabri-la em cerca de duas semanas, mas sem macular as características mais caras aos clientes: a seleção acurada de livros das áreas de ciências humanas, literatura e artes e o atendimento de excelência.
A ideia é arejar o ambiente, torná-lo mais convidativo, trocando o mobiliário, que será mais leve e colorido, e introduzindo uma iluminação mais agradável. A parede que divide as duas lojas será derrubada, de modo que o espaço fique mais amplo – no total, serão 270 metros quadrados contínuos. O logotipo, em letras góticas, ganhará legibilidade. Até o rosto de Leonardo Da Vinci foi rejuvenescido e colorizado na nova identidade visual. A livraria agora está também no Instagram e no Twitter.
A seção de ficção brasileira e de novidades será mais robusta e haverá destaque à chamada literatura geek. Um café vai abrigar debates e poltronas vão estimular uma permanência maior na loja. Louzada, que já tinha relação afetiva com a Da Vinci, quer terminar toda a reforma até junho.
Ele traz a experiência de 17 anos na gigante Saraiva, da qual foi vendedor e gerente comercial nacional, com base em São Paulo. “As palavras são continuidade e renovação. Vai ser a mesma livraria sendo outra livraria, com mais conforto e mais serviços. A Leonardo Da Vinci tem um patrimônio que poucas empresas têm. Não é um modelo de negócio superado; pelo contrário, no mundo todo, as livrarias independentes cresceram”, crê o livreiro, que aguarda, ansioso, a conclusão das obras da Avenida Rio Branco e o início da operação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). O bonde moderno terá um ponto quase em frente ao Marquês de Herval, edifício modernista e em cujo subsolo fica a Da Vinci. A animação é tamanha que ele já pensa em novas unidades.
Criada pelo imigrante romeno Andrei Duchiade, a Da Vinci conquistou a elite intelectual e política da então capital federal já nos anos 1950. Tornou-se referência em livros importados e raros. No fim da década de 1990, com o advento da internet e das lojas virtuais, notadamente a Amazon, as vendas caíram. Em maio do ano passado, alegando que “teimosia tem limite”, a herdeira Milena Duchiade, filha de Andrei, que tocava a loja com a mãe, Vanna, resolveu desistir, gerando comoção entre os frequentadores.
“Foram nove meses de gestação até a compra pelo Daniel (que comprou a marca e está alugando os imóveis da família). Eu fico muito feliz e aliviada de ver que a livraria não vai virar uma farmácia, um banco, não vai vender comida. Missão cumprida, com o desfecho que a gente queria!”, festeja Milena. “O DNA vai continua. Precisávamos desse sangue novo: eu tenho 61 anos, o Daniel, 41.”
Entre julho e fevereiro deste ano, ela realizou uma queima de estoque. Foi um sucesso, e também uma romaria de professores, pesquisadores, estudantes, profissionais liberais e também de curiosos, que, ironicamente, só descobriram a Da Vinci com as notícias de seu fechamento – gente que desconhecia o poema-tributo de Carlos Drummond de Andrade gravado em sua porta de vidro. Nos versos, o poeta enaltece os tesouros guardados das “fomes apressadas” do centro, “a oculta sinfonia de letras e cores enlaçadas no silêncio de livros abertos em gravura”. O cliente dileto trabalhava logo ali, no prédio do Ministério da Educação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.