Para onde vão os juízes da Suprema Corte quando se aposentam? Para um parquinho infantil, onde, de toga e peruca, disputam a gangorra e o escorregador. Enquanto isso, um rapaz que procura emprego em um Ministério descobre que precisa ter um andar idiota, caso contrário, não consegue a vaga. E o que dizer do homem que volta à loja de animais para reclamar que comprara um papagaio morto e é recebido pelo proprietário, que insiste em dizer que Polly (o bichinho) está apenas descansando? Finalmente, a história que entrou para a História: a do casal que vai a um restaurante frequentado por vikings e onde o único prato servido é carne enlatada de marca Spam, termo adotado daí pela linguagem universal da internet.
Essas são apenas algumas das inúmeras cenas humorísticas escritas pelo Monty Python, grupo formado por seis ingleses (bem, na verdade, um é gaulês e outro é um americano infiltrado) que renovaram o humor da TV britânica (e, por extensão, mundial) em 5 de outubro de 1969, quando foi ao ar o primeiro dos 45 episódios da série cômica Monty Pythons Flying Circus, programa de meia hora de duração com animações e piadas escrachadas que não perdoavam da política à filosofia, do marxismo ao esporte, do chá das 5 à morte. “Monty Python surge no momento mais louco do século 20, na cidade mais louca do mundo (Londres). Para revolucionar a loucura vigente, os Pythons tinham um ingrediente surpresa: a lucidez”, escreve o humorista Gregório Duvivier no prólogo de Monty Python – Uma Autobiografia Escrita por Monty Python, agora lançada no Brasil pela Realejo Livros.
Trata-se de um livro originalmente editado em 2003 e organizado por Bob McCabe, que costurou depoimentos de Eric Idle, Graham Chapman, John Cleese, Michael Palin, Terry Jones (o gaulês) e Terry Gilliam (o americano ilustrador) para contar a origem de cada um até que os rumos se cruzassem, especialmente quando eram universitários, dividindo-se entre Oxford e Cambridge. Sim, foi no ambiente de faculdades que esses estudantes de História, Medicina e Direito exercitaram seu talento para o humor, criando esquetes apresentados em peças universitárias que, de tão engraçados, convenceram cada um a buscar a carreira de comediante.
Nessa época, anos 1960, o melhor caminho era o rádio, mas a BBC, emissora pública que também tem canais de TV, pretendia renovar sua faixa humorística. Interessavam quadros como o BBC A.C., criado por Cleese no qual Idle apresentava a previsão do tempo: “Uma peste deve surgir sobre as terras do Egito, seguida de enchentes, sapos e a morte de todos os primogênitos. Sinto muito, Egito”. Um primeiro caminho foi o programa de David Frost, que abria as portas para comediantes talentosos e que permitiu que todos se exercitassem. A partir daí, os futuros Pythons foram se unindo até que Jones, Palin e Idle, que escreviam o programa Não Sintonize Sua TV, foram chamados por Cleese, que fazia ao lado de Chapman Finalmente o Show de 1948, para criar um novo produto, o Flying Circus.
Se o talento era um detalhe comum do sexteto, as diferentes personalidades ajudavam a enriquecer o material. Afinal, enquanto Cleesse era metódico, capaz de discutir horas sobre a colocação de uma vírgula, Chapman (que morreu em 1989) era o mais instável, mas, por isso mesmo, o mais sensível. Idle sempre foi fascinado por personagens de falas complicadas e Jones não esconde sua preferência pelo elemento surreal fantasioso. Já Gilliam revolucionou o grupo com seus cartoons anárquicos e inventivos, enquanto Palin era o “comediante dos comediantes”.
O Monty Python logo inaugurou um modelo de humor, que inspirou tanto programas como Saturday Night Live nos EUA como o Casseta & Planeta Urgente!, no Brasil. Quadros como a Dança dos Tapas com os Peixes ou a Lumberjack Song, canção em que um barbeiro homicida sonha em ser um lenhador, tornaram-se referências obrigatórias. Os Pythons passaram a ser venerados, até mesmo pelos Beatles que, segundo conta Palin, tinham as sessões de música interrompidas a pedido de Paul McCartney no momento em que o programa era transmitido para que todos pudessem ver. “Que surreal, os Beatles interessados em nós!”, comenta.
Da TV, o grupo foi para o cinema, realizando poucos mas originais filmes – ao menos um deles se tornou um clássico, Em Busca do Cálice Sagrado.
Aos poucos, o sucesso retumbante começou a incomodar alguns integrantes, que ironicamente viam nisso uma traição à sua essência. “A partir do momento em que o Python é percebido como uma lenda a ser celebrada, o humor que formou o Python voa pela janela, porque viramos vítimas dos nossos próprios ataques”, observa Palin. De fato, o grupo se desfez em 1983, logo após o filme O Sentido da Vida. Cada um seguiu uma trajetória, mas todos com um DNA comum. Novamente Palin explica: “O Python explorou todos os territórios possíveis, atirou em todas as direções, foi produto de seis roteiristas e atores, e da sensação de liberdade. Um episódio qualquer ou um filme tem de tudo. O Python sobreviveu porque é ligeiro, desloca-se rápido entre as ideias”.
MONTY PYTHON – UMA AUTOBIOGRAFIA ESCRITA POR MONTY PYTHON
Organizador: Bob McCabe
Tradução: Stephanie Fernandes
Editora: Realejo (432 págs., R$ 69,90)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.