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Livro de McGuire mistura influências para revolucionar histórias em quadrinhos

O personagem principal de Aqui, graphic novel de Richard McGuire que chega ao Brasil com status de obra-prima, é o canto da sala de uma casa – como se uma câmera fosse colocada ali, apontando para o mesmo lugar, em todas as páginas. O que movimenta o livro, então, é o tempo – de oitenta milhões de anos atrás até o futuro apocalíptico. Essa ideia já seria boa o suficiente, mas o americano de 60 anos coloca no desenho “janelas” independentes, criando uma espécie de vórtice que se movimenta livremente, desfazendo as fronteiras fundamentais entre tempo e espaço.

“A principal coisa que aprendi com a experiência é que o tempo é muito elástico, e que todos nós viajamos nele milhões de vezes todos os dias”, diz McGuire, por e-mail, ao Estado – ele publicou algumas páginas de uma versão de Aqui na revista RAW, em 1989, e a versão definitiva do livro saiu em 2014, nos EUA. “Nós todos estamos recuando no tempo com a memória e projetando o futuro em milissegundos e nem nos damos conta. Se parar para examinar seus pensamentos e refazer os passos da cadeia dos seus últimos poucos devaneios, você vai ver. É possível que todos nós concordemos que o passar do tempo é uma ilusão da dimensão em que nos encontramos.”

Aqui é um graphic novel, mas aplicar o conceito ao livro é arriscado. No New York Times, o crítico Dwight Garner coloca a obra na mesma prateleira de Maus (Art Spiegelman), Fun Home (Alison Bechdel) e Jimmy Corrigan – O Menino Mais Esperto do Mundo (Chris Ware), graphic novels que ajudaram a estabelecer a ideia de que quadrinhos podem ter alta ambição estética, como a melhor literatura. O próprio Ware disse que Aqui é a graphic novel “que mudou tudo”.

“Eu realmente não me importo (com a definição)”, diz McGuire. “Para mim, o livro é um híbrido, parte graphic novel, parte livro de arte conceitual. Quando estudei artes, houve um tempo em que arte conceitual era popular e isso definitivamente teve um impacto em mim, mas tive muitas outras influências.” Não se assuste: o livro é tão brilhante quanto acessível.

Várias histórias correm em paralelo, mas a trama central é a de uma família na segunda metade do século 20 (e sua casa, e os seus arredores), inspirada na vida real do autor e em eventos – retratos anuais de família, a visita de arqueólogos em busca de fósseis, festas e encontros. A casa é situada próxima a uma construção colonial em que vivia um filho de Benjamin Franklin, um dos heróis da Revolução Americana, portanto, essa parte da História também está presente. Indígenas do século 17 aparecem, mas também dinossauros de oitenta milhões de anos atrás e criaturas do futuro (do ano 10.175). Em 2111, por exemplo, tudo está inundado, mas em 2213 humanos do futuro olham abismados para projeções de como funcionava uma chave (“até parece de verdade”, comenta uma pessoa).

Ver isso tudo num espaço de duas ou três páginas com uma paleta de cores contida e ares de pop art, como o leitor pode imaginar, é uma experiência de leitura literalmente única.

Embora as artes visuais sejam uma influência mais óbvia, McGuire também explora o processo de composição de músicas na montagem da obra. Ele é baixista da banda de Nova York Liquid Liquid (curiosamente, um riff de baixo do grupo se tornou um sample fundamental do hip hop, usado por pioneiros como Melle Mel e Grandmaster Flash). “Todo o texto do livro foi colado do mesmo jeito que as imagens foram construídas. Por um tempo, tive um caderno apenas com o texto para que pudesse ler sem ser distraído pela imagem, eu queria que soasse conectado como uma voz falando e que soasse bem musicalmente”, explica.

Para montar o livro, ele compôs um mural em seu ateliê e então foi encaixando as imagens, textos e histórias. “Foi também como fazer uma trilha sonora, eu ia seguindo e, quando uma nota soasse errada, fosse texto ou imagem, cortaria e iria para outro lugar até que o fluxo estivesse correto.”

Nos EUA, também foi lançada uma versão para iPad de Aqui – na tela eletrônica, as histórias que no papel já não são lineares podem ser embaralhadas e ganham outras possibilidades, e as conexões se multiplicam. Revelando sua imagem de artista inquieto, o autor conta também que está negociando uma versão em realidade virtual.

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Autor: Richard McGuire
Trad.: Érico Assis
Editora: Quadrinhos na Cia (304 págs., R$ 79,90)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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