Era um trio que se admirava, mas também se desprezava com a mesma intensidade. O escritor argentino Adolfo Bioy Casares (1914-1999) era casado com a também autora e artista plástica Silvina Ocampo (1903-1993) e a luxuosa casa de ambos em Buenos Aires era frequentada por Jorge Luis Borges (1899-1986), apontado como um dos grandes nomes da literatura mundial e amigo fraterno de Casares – durante mais de 30 anos, eles jantaram sozinhos em uma das salas daquele casarão.
Em outro cômodo, Silvina ouvia as gargalhadas provocadas por comentários sarcásticos, como o dito certa vez por Borges: "Todos nós caminhamos para o anonimato, mas os medíocres chegam um pouco antes". "De que riem esses idiotas?", refletia ela, incomodada com a gargalhada de Borges (rouca e desagradável) e injustamente deixada em segundo plano – pintora (era discípula de Giorgio de Chirico), poeta e contista, Silvina Ocampo era a caçula de seis irmãs e, além da sombra projetada pelo marido, sempre permaneceu em segundo plano, obscurecida pela arrogância avassaladora de sua irmã mais velha Victoria, um dos principais nomes da escrita argentina no entreguerras.
"Era uma relação complexa em termos literários", observa ao <b>Estadão</b> a escritora Mariana Enriquez, uma das principais escritoras argentinas contemporâneas, autora de A Irmã Menor (Relicário), um retrato de Silvina Ocampo. "Ela gostava do Borges e seu livro Autobiografia de Irene, que é muito borgiano, mostra isso, mas Silvina não queria escrever como ele, aquela não era a voz dela. Gostava do surrealismo, da decadente poesia francesa, coisas que Borges detestava. Para ele, Silvina parecia brilhante, mas acredito que ele também não gostava da literatura dela. Pelo que se vislumbra em jornais e opiniões, era uma relação de grande respeito literário, mas nenhum era apaixonado pela obra ou pelo estilo do outro. Acredito que Silvina tentou escrever como Borges naquela época porque ainda procurava sua voz, e esse experimento a levou a finalmente encontrá-la, em um livro totalmente ocampiano como o que se segue, A Fúria."
<b>Lugar</b>
Foi justamente com os contos desse livro, publicado em 1959 e lançado pela Companhia das Letras, que Silvina conquistou um lugar definitivo na literatura, estabelecendo uma voz única e criando um universo alucinado, em que suas histórias misturam elegância e excesso, distanciamento e intensidade, calma e horror. Ao mesmo tempo, alimentava um exotismo a partir de seus atos – como o fascínio, desde criança, por pessoas pobres.
"É uma de suas características mais estranhas e um tanto perversas", observa Mariana. "Ela era indiscutivelmente rica e quase considerava os pobres como pessoas exóticas. É até um tanto cruel, brutal. No entanto, todos que a conheceram afirmam que ela tinha um jeito muito horizontal de se relacionar, que ninguém a achava milionária. Mesmo assim, Silvina tinha um lado perverso, como muitos aspectos de sua personalidade."
De fato, Silvina sente muito a morte da irmã Clara por diabete infantil, o que a fez refugiar-se ainda mais entre os criados. "Foi aí que começou meu ódio pela sociabilidade", diz ela. "Na verdade, Silvina trata de uma sociabilidade de classe, porque tinha muitos amigos, mas não escritores, nem gente do mundo da cultura, nem da sua classe social – preferia outras companhias. Tinha, sim, amigos autores, mas muitas pessoas peculiares e várias eram homossexuais."
Isso leva a outro assunto delicado: sua sexualidade. Segundo Mariana, embora aberta a diversos tipos de relações, nunca se revelou. "Seus amigos acreditavam que era bissexual, mas não posso afirmar isso", diz Mariana, que a entendeu melhor também como escritora: como era estranha sua personalidade e como eram incomuns sua imaginação e seu humor.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>