Hans Stern tinha 16 anos quando precisou abandonar a Alemanha com os pais e o avô, todos ameaçados pelo terror nazista e pela violência contra os judeus que tomavam conta da Europa em 1939. A família deixava para trás a empresa de engenharia, o apartamento em uma vizinhança nobre da cidade de Essen, a vida burguesa, para morar de favor na casa de um tio, no Rio. Filho único, Hans aprendeu rapidamente o português, trabalhou em um armazém, depois em uma loja de selos até conhecer e dominar o mercado de pedras brasileiras e fundar em 1945, aos 22 anos, a empresa, que completa sete décadas.
Apaixonado por sua máquina de escrever Hermes Baby laranja, o empresário registrou suas aventuras e dramas de imigrante em cartas divertidas enviadas aos amigos (com cópias guardadas com ele) e em um diário no qual detalhou a infância e registrou temores, alegrias e insights que o guiaram na criação da joalheria H. Stern.
Organizado, Hans deixou tudo arquivado na sede do grupo, onde ficava o seu escritório com vista para o mar de Ipanema, a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Cristo Redentor. Foi justamente essa documentação pessoal que serviu de partida para o livro H Stern – A História do Homem e da Empresa, da jornalista Consuelo Dieguez.
“A família não tinha ideia da preciosidade que estava escondida ali, naquelas caixas”, diz Consuelo, que a princípio havia sido sondada pelo presidente da empresa, Roberto Stern, filho mais velho de Hans, para escrever uma biografia institucional do fundador, morto em 2007. “Quando comecei a ler o material, fiquei maluca. As cartas eram de arrepiar. Disse para o Roberto que ali tinha uma história extraordinária. Parecia quase o roteiro de um filme e poderia ser um livro de verdade. Não queria fazer um livro chapa-branca.”
A obra é, ao mesmo tempo, jornalismo literário e livro de negócios, voltado para empreendedores, executivos e aspirantes, que começam a chamar a atenção das editoras no Brasil depois de best-sellers como Sonho Grande, de Cristiane Correa, sobre a trajetória profissional dos sócios bilionários Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira. “É chato ler uma história em que todas as iniciativas são bem-sucedidas. As pessoas gostam de saber dos medos e de conhecer os porquês dos fracassos e sucessos”, diz Consuelo. “Nós nos identificamos com as fragilidades humanas, que enfrentamos o tempo todo.”
Na primeira metade do livro, a jornalista revela que Hans nasceu cego e só passou a enxergar de um olho, aos 2 anos, e lembra o seu fascínio pelo Rio, que considerava magnífico e caótico. Há trechos dramáticos, como a reconstituição do início da campanha antissemita em 1938 e a tempestade enfrentada pela família no navio a caminho do Brasil. Outros momentos são tocantes. A relação de amizade que Hans tinha com seu pai, Kurt, por exemplo, é um deles.
Contraditoriamente, em seguida, ele se revela um pai distante e austero com os quatro filhos homens que teve com sua mulher, Ruth. Mostra ainda o cenário difícil enfrentado pela família sem dinheiro, trabalho, no calor atordoante do Rio durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, que flertava com o nazismo.
Para redigir o livro, Consuelo Dieguez, há quase uma década na revista Piauí, levou pouco mais de um ano. Nele, ela faz revelações íntimas dos personagens e toca em assuntos delicados. Conta como a empresa quase quebrou meses antes da morte de Hans, em 2007, fala da relação tumultuada dos Sterns com os Burle-Marx (o paisagista é primo de Hans) e dos filhos que o patriarca teve fora do casamento.
Consuelo descreve os negócios desde a estratégia inicial de vender as pedras nacionais e então semipreciosas (turmalina, topázio, água-marinha e ametista) aos turistas e de montar lojas em hotéis chiques do Brasil e de países da América do Sul até a entrada em cena de uma nova geração de executivos, liderada por Roberto Stern, que, ao lado dos irmãos, modernizou a gestão da empresa, apostando no design das joias e embarcando no conceito de coleções sazonais, que rege a moda há décadas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.