Um dos principais pensadores brasileiros, Mário de Andrade (1893-1945) era um homem meticuloso – todo seu material de pesquisa era cuidadosamente catalogado, sem deixar lacunas, uma forma consciente de preservar seu trabalho para a eternidade. Assim, desperta curiosidade um item de seu imenso arquivo que está sob o cuidado do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP): um álbum de fotografias, sem legendas, explicações ou ordem cronológica.
"São 25 imagens escolhidas entre as mais de 200 tiradas por Mário em sua viagem ao Nordeste, entre dezembro de 1928 e fevereiro de 1929", observa o pesquisador e documentarista Luiz Bargmann que, curiosidade aguçada, buscou todos os detalhes possíveis para organizar o livro <i>Viagem ao Nordeste Brasileiro 1928-1929 – Álbum de Fotografias de Mário de Andrade</i>, publicado com o apoio do IEB-USP, na Cidade Universitária, onde, aliás, a obra será solenemente lançada, na quinta-feira, 15, com uma série de eventos a partir das 10h.
Mário de Andrade foi uma figura irrequieta – prosador, escreveu romances e contos com a dicção do texto modernista; crítico, apontou caminhos para outros artistas de áreas diversas; pesquisador, viajou pelo Brasil buscando traços folclóricos e musicais de todas as regiões, desconhecidos dos grandes centros.
Ganha, portanto, especial importância esse lançamento, que Bargmann conseguiu viabilizar graças ao apoio financeiro do ProAC, Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo – o livro será distribuído gratuitamente para instituições culturais públicas, como bibliotecas, universidades estaduais e federais, e centros culturais em todo o País. E estará à disposição do público para consulta nessas instituições.
Naquele período de três meses, Mário viajou, à própria custa, para Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba. Fez um árduo trabalho, recolhendo documentos musicais de intérpretes ou assistindo a ensaios e representações de danças dramáticas. Estudou a religiosidade popular, o Catimbó, a música de feitiçaria. Passa ainda o carnaval no Recife e tem seu corpo "fechado".
<b>CASCUDO</b>
Admirador de novos talentos, na Paraíba, encanta-se com o cantador Chico Antônio e seu instrumento, o ganzá, impressionando-se com sua capacidade como criador e intérprete. Encontra-se com um amigo de longa data, o folclorista Câmara Cascudo, e ainda registra seu interesse pela arquitetura e pelas condições de vida e de trabalho do povo nordestino.
A exemplo de que fizera em 1927, quando viajou até a região amazônica, Mário fotografou exaustivamente, registrando não apenas seu dia a dia, mas procurando fixar aspectos da paisagem, tipos humanos, formas de trabalho, meios de transporte, arquitetura. "Assim, é um mistério o critério usado por ele para escolher 25 fotografias entre as mais de 200 que tirou e como organizá-las naquele álbum", comenta Bargmann, que chegou até o álbum incentivado pela professora Telê Ancona Lopez, do IEB, uma das principais estudiosas da obra de Mário de Andrade.
<b>CRÔNICAS</b>
"Era um item a que poucos davam atenção", conta Bargmann, que conhece bem a história e as curiosidades que cercam o poeta modernista: em 2013, dirigiu o filme <i>A Casa do Mário</i>. Assim, para não simplesmente publicar o álbum sem anotações, ele tomou a atitude correta de pesquisar sobre a viagem a partir das crônicas que o escritor publicou ao longo da viagem, no jornal<i> Diário Nacional</i>, de São Paulo, e reunidas no livro O Turista Aprendiz.
Assim, às fotos foram acrescentados trechos das crônicas relativos às imagens, resultando em uma legenda mais informativa. "Mário revelou-se um grande fotógrafo, apesar de utilizar uma máquina simples", observa Bargmann. "Ele percebeu a imagem como algo moderno, daí o cuidado com o enquadramento e a composição. Era leitor de revistas europeias, conhecia o trabalho de profissionais como Man Ray."
Em texto publicado no livro, o cineasta e estudioso do modernismo brasileiro Carlos Augusto Calil argumenta que o escritor "experimentou de forma consciente, jogou com a profundidade de campo, com a geometria proporcionada pela opção horizontal/vertical, com a perspectiva".
Já o fotógrafo Cristiano Mascaro, em artigo que também consta na obra, acredita que "Mário quis selecionar as 25 fotos que melhor representariam a memória de sua jornada pela região". E, na visão de Telê, o modernista "multiplica-se como poeta, viajante, arauto dos caminhos da modernidade, crítico e historiador das artes, pesquisador da música e do folclore".
Viagem ao Nordeste Brasileiro 1928-1929
Fotos de Mário de Andrade
Organização Luiz Bargmann
Edição Independente, 132 páginas
Lançamento no Instituto de Estudos Brasileiros (Av. Luciano Gualberto, 78, Cidade Universitária), 5ª feira (15/12), a partir das 10h
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>