Quando foi lançado em 1971, o livro Viagem pelo Fantástico logo se tornou referência na fotografia latino-americana. Isso porque seu autor, Boris Kossoy, desenvolveu uma técnica até então desconhecida: a criação de narrativas fotográficas que tratavam de forma silenciosa múltiplos cenários, histórias, sujeitos e sensações.
"Essa série nunca terminou, pois tem passado por diferentes fases e temas ao longo do meu percurso", comenta Kossoy ao <b>Estadão</b>. "As sequências fotográficas dizem respeito à minha percepção do mundo naquelas conturbadas décadas dos anos 1960 e 70. Tempos de contracultura, Mary Quant, psicodélico, Janis Joplin, Guerra do Vietnã, Maio de 68, uma revolução comportamental estava em curso. E, também, tempos de ditaduras perversas na América Latina, tempos sombrios no Brasil."
Meio século depois, Viagem pelo Fantástico ganha nova edição, agora acrescida de um caderno suplementar com textos que contextualizam a trajetória de Kossoy. Arquiteto de formação, ele se dedicou inicialmente ao retrato para, nos anos 1970, desenvolver uma linguagem pictórica pessoal. Kossoy se interessou também pelo aspecto teórico da fotografia, passando a estudar a História por meio dessa arte e seu impacto no cotidiano.
No livro, Kossoy revela suas influências – notadamente o cinema de suspense de Alfred Hitchcock e o realismo mágico da literatura de Gabriel García Márquez. Por conta disso, a crítica da obra considerou o livro como um trabalho surrealista. "Talvez porque fosse mais fácil compreender assim aquelas imagens inusitadas que mostravam personagens, cenários e temas fora dos limites do imaginário fotográfico da época, fortemente arraigado aos preceitos da verdade fotográfica ou ao espelho do real , entre outras certezas dogmáticas míopes que prevaleceram ao longo da história da fotografia", argumenta.
<b>Bardi</b>
Quando publicado em 1971, o livro ganhou uma crítica entusiasmada do então diretor do Masp, Pietro Maria Bardi, que chegou a observar na sequência de imagens traços dos pintores William Blake e Dante Gabriel Rossetti, ou seja, a ambição de transformar a realidade cotidiana em um cenário mágico. Logo, algumas daquelas fotografias passaram a identificar o estilo de Kossoy, como a do maestro regendo túmulos em Caieiras, entre outras, ressaltando também seu papel documental.
"O registro fotográfico documenta o entorno real da cena em que algo nonsense ocorre", comenta ele. "Esse realismo fotográfico (documental) é justamente o pano de fundo de que se nutre o fantástico: o cenário possível, o ambiente aparentemente normal do aposento de uma casa, a vegetação natural que se harmoniza com a paisagem, todos esses cenários podem ser objeto de algum fato inusitado como um manequim centenário te observando num bosque ou a presença de uma noiva solitária a esperar – talvez para sempre – em uma estação ferroviária."
Kossoy também registra, de alguma forma, locais de São Paulo daquela época. "Senti e vivi esta cidade intensamente desde jovem. Minha geografia emocional e profissional acontecia em um perímetro que incluía os Campos Elísios, Centro, Santa Cecília, Vila Buarque e Bela Vista, com suas inesquecíveis cantinas e teatros", relembra. "Meu trabalho preferido era o retrato e, na época, os pôsteres estavam em moda. Realizei centenas de retratos neste formato. A pose e a iluminação me encantavam. Na minha cabeça, eu buscava a luz do cinema, o filme noir, o expressionismo alemão."
<b>Noir</b>
De fato, suas imagens são fruto de uma combinação de estilos, que inclui o suspense, o trágico, a angústia e a fatalidade dos filmes noir, além da inesperada presença do fantástico na realidade cotidiana do espectador. E, ao não impor legendas para as fotos, Kossoy estimula este mesmo espectador a criar seu próprio universo imaginativo.
"Como costuma acontecer a tantas inovações, no começo Viagem pelo Fantástico teve pouca repercussão", escreve o curador e historiador da arte espanhol Horácio Fernandez em sua apresentação no caderno Revisitando Viagem pelo Fantástico. "Muito tempo depois, era uma das maiores e melhores surpresas de fotolivros latino-americanos, uma ave rara em seu contexto e uma peça maior no conjunto da história dos fotolivros, uma obra ainda tão viva e aberta como quando começou sua longa trajetória."
Após o lançamento do livro, Kossoy passou alguns meses em Nova York, onde expôs seus trabalhos. Em 1972, passou a assinar uma página mensal no Suplemento Literário do Estadão intitulada Fotografia. Foi quando surgiu seu interesse pelo conhecimento por meio da iconografia fotográfica, o que norteia seu trabalho até hoje, em seus 80 anos. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>