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Lobby do Judiciário barra breque aos ‘supersalários’

Depois de levar mais de quatro anos para ser aprovado na Câmara, o projeto de lei que impõe barreiras aos "supersalários" no funcionalismo público agora empacou no Senado. O texto foi encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em agosto e, passados quase dois meses, nem sequer há um relator definido, o primeiro passo para fazer a tramitação andar. O motivo, segundo senadores ouvidos pelo <i>Estadão</i>, é a pressão de representantes do Poder Judiciário para barrar a proposta.

Um dos opositores ao projeto é o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Ao <i>Estadão</i>, ele afirmou não ser contra barrar supersalários, "inclusive de servidores da Justiça", mas entende que "mudanças na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) devem partir do Poder Judiciário". O Judiciário, contudo, não enviou nesses últimos quatro anos projeto nesse sentido.

O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), relatou a colegas ter sido procurado nos bastidores por integrantes de Cortes Superiores que sugeriram a ele "sentar em cima do projeto". O lobby para barrar as mudanças que pode reduzir o contracheque de juízes, desembargadores e outras categorias do funcionalismo, porém, também tem sido feito à luz do dia.

No dia 18 de agosto, a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, se reuniu com Alcolumbre e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para manifestar "receio de retrocessos" com o texto vindo da Câmara. "Há um equívoco entre o que é verba indenizatória e remuneratória", disse ela, em texto registrado no site da entidade, que reúne 14 mil associados e é uma das principais associações de juízes do País.

Procurada pelo <i>Estadão</i>, Renata afirmou que cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentar e fiscalizar os pagamentos. "A AMB posiciona-se pela estrita observância dos ditames da Constituição Federal e das decisões do Supremo acerca das verbas indenizatórias", disse, em nota.

Atualmente, embora exista um teto remuneratório equivalente ao salário de um ministro do Supremo, de R$ 39,2 mil, esse patamar costuma ser "fictício", porque os vencimentos abrangem "penduricalhos", como auxílio-livro, auxílio-moradia, auxílio-banda larga, entre outros, fazendo com que os ganhos mensais estourem o teto. São esses benefícios que serão limitados caso o projeto seja aprovado.

Em todo o País, são mais de 500 tipos de benefícios concedidos a servidores, que elevam as remunerações a patamares acima dos R$ 100 mil. Foi o que ocorreu no início do ano no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, quando um magistrado recebeu R$ 274 mil extras em indenizações e "penduricalhos".

A proposta em discussão no Senado reduz a apenas 32 os benefícios que poderão superar o limite constitucional. As mudanças estipulam, por exemplo, que o auxílio-creche poderá ter valor de até 3% do salário máximo pago a um servidor, o que equivale a R$ 1,178 mil. Será ainda limitada a "venda" de férias a 30 dias por exercício. A medida atinge em especial magistrados e integrantes do Ministério Público que têm direito a 60 dias de férias e recebem o adicional de férias nos dois períodos.

Em ofensiva para manter ao menos parte dos "penduricalhos", o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, enviou ofício a Pacheco no início do mês em que pede alterações no texto aprovado pela Câmara. Na prática, as mudanças sugeridas desfiguram a ideia de dificultar pagamentos acima do teto. Ele quer, por exemplo, o aumento do auxílio-saúde de 5% para 10% do salário, a retirada do limite para o ressarcimento de diárias e a manutenção dos atuais 60 dias para o adicional de férias e para a licença-prêmio. "Longe de constituir um privilégio da magistratura ou dos servidores públicos, o direito à indenização de férias não gozadas ostenta natureza de direito social, não passível de supressão nem mesmo por emenda constitucional", escreveu o presidente do TJ-SP.

Outra entidade que tem atuado para evitar a aprovação do texto é a Associação de Juízes Federais (Ajufe), que representa todos os magistrados federais de primeira e segunda instâncias, bem como os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo. Para o presidente da Ajufe, Eduardo André Brandão, o projeto aprovado na Câmara restringe direitos do servidor. "É importante ressaltar que benefícios como auxílio-alimentação, auxílio-creche e outras formas de compensação são comuns a todo tipo de trabalhador, não podendo o servidor público ser penalizado por recebê-lo, nem que tenha seus direitos restringidos", disse ele.

A votação do projeto chegou a ser discutida em reunião de líderes de partidos do Senado há cerca de duas semanas, mas sem definição de quem será o relator. Integrante da CCJ, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) vê falta de vontade em fazer a proposta andar. "Muito difícil pressionar Davi Alcolumbre. Não vejo ninguém pedindo para que o assunto seja pautado", afirmou.

Nos últimos anos, o Supremo tem agido no sentido de facilitar o "drible" no limite imposto pelo teto constitucional. Hoje presidente da Corte, Fux concedeu em 2014 decisões liminares para que o auxílio-moradia fosse estendido para todo o Judiciário. As decisões só caíram quatro anos depois, após um acordo com o governo Michel Temer, que determinou um reajuste de 16,38% no salário dos ministros do STF.

Em junho, em outra decisão que liberou o estouro do teto, o STF entendeu que funcionários de empresas públicas independentes do Distrito Federal, como o Banco Regional de Brasília e a Companhia de Saneamento Ambiental de Brasília (Caesb), não precisam respeitar a regra.

O relator do projeto na Câmara, deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), disse ter enfrentado pressões para que o texto não fosse votado. "Presidentes de tribunais de contas, de tribunais estaduais, pressão de todo tipo. Eles são poderosos", afirmou o parlamentar.

Para Bueno, cada dia que o texto fica sem ser votado é algo negativo. "Enquanto não se vota definitivamente eles continuam. Se você olhar o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, há um mês mais ou menos, já criou mais um auxílio adicional de R$ 12 mil. Eles continuam como se nada estivesse acontecendo." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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