Em Cannes, no ano passado, o diretor e roteirista Paolo Sorrentino fez uma confissão, a título de mea-culpa – “Pertenço a uma categoria meio perversa de gente que, em vez de tranquilizar os outros, quer sempre tirar as pessoas do eixo.” Sorrentino tem feito isso com maior ou menor sucesso ao longo de sua carreira. Habitué no Festival de Cannes, ele voltou no ano passado à Croisette com Youth/Juventude, estrelado por um trio da pesada, Michael Caine, Harvey Keitel e Jane Fonda. É o primeiro filme de Sorrentino após sua consagração no Oscar com A Grande Beleza, e seu segundo filme em língua inglesa, depois de Aqui É o Meu Lugar/This Must Be the Place, com Sean Penn, que também estreou em Cannes (e valeu ao ator o prêmio de interpretação no mais importante festival do mundo).
Juventude estreia nesta quinta, 31, nos cinemas brasileiros. Sorrentino era um grande diretor, ou pelo menos parecia mais interessante em filmes que fez com o ator Toni Servillo, como As Consequências do Amor, O Amigo da Família e O Divo. É curioso que Servillo, grande ator que é, nunca tenha sido premiado em Cannes, por mais complexos e fascinantes que sejam os papéis que Sorrentino tem lhe oferecido – O Divo, por exemplo, é a cinebiografia de Giulio Andreotti, um dos mais carismáticos (e polêmicos) políticos da Itália. Juventude passa-se num spa, numa clínica para rejuvenescimento de gente muito rica. Em Cannes, Sorrentino disse que não são o dinheiro nem o culto do corpo lhe interessam, mas a condição do artista. “Meu spa reúne grandes artistas, artistas decadentes, artistas em xeque, em crise. Artistas e políticos estão sempre tirando as pessoas do sério com suas provocações. Se o grande artista tem de ser político e estar inscrito em seu tempo, o político também é uma espécie de artista. Ambos usam máscaras, como no teatro. Veja o exemplo de Andreotti, il divo.”
Talvez o problema maior de Sorrentino seja sua consciência de, como artista, possuir um estilo. Quando filmou no Brasil – numa praia carioca – seu episódio de Rio Eu Te Amo, o repórter pôde vê-lo em ação. Sorrentino é daqueles que têm o filme pronto na cabeça. Filmar, para ele, como dizia Alfred Hitchcock, o mestre do suspense, “é passar o roteiro pela câmera”. Só que o estilo de Sorrentino parece cada vez mais derivado de Federico Fellini. A Grande Beleza lembrou a muita gente A Doce Vida, revisto e atualizado. Como Fellini, Sorrentino tem um estilo muito visual. Gosta de encher a tela de figuras bizarras e composições tão plásticas quanto estudadas. A questão é sempre o que há por trás dessa aparência.
Ele contou a gênese de Juventude. “Venho de uma cidade pequena, onde as pessoas tendem a ser humildes. E sempre me impressionou muito a história que li, sobre um músico inglês que se recusou a tocar para a rainha. Isso seria inconcebível na minha cidade, essa contestação tão visceral da autoridade. Essa história regurgitou anos na minha cabeça. E, finalmente, resolvi vomitá-la. Talvez deva dizer – consegui vomitá-la. Porque não conseguiria fazer Juventude sem Michael (Caine), Harvey (Keitel) e Jane (Fonda). Precisava desse grande elenco. Nesse sentido, tenho de admitir que o Oscar (que alcançou por A Grande Beleza) me ajudou muito.”
Caine e Keitel criaram seus personagens em conjunto com o diretor. Jane Fonda, ele admite que já era a diva que tinha em mente. “Ela só teve de passear pela câmera”, riu. Sobre o visual do filme, Sorrentino colocou em palavras o que o repórter sentiu no set de Rio Eu Te Amo. “Antes, eu trabalhava muito com storyboard. Continuo desenhando as cenas, mas cada vez mais isso é só um exercício prévio. O tempo e a experiência contam alguma coisa e hoje, ao chegar ao set, defino a posição da câmera na hora, sem me preocupar muito com o que havia planejado. O segredo do planejamento é dar segurança para que a gente improvise.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.