Estadão

Longa revisita o tenebroso Hospital Colônia de Barbacena

A maior emoção da noite de abertura do 56.º Festival de Brasília, realizada no sábado, 9, foi a homenagem ao ator Antonio Pitanga. Ele recebeu o troféu das mãos do filho, o também ator Rocco Pitanga – e um texto de homenagem lido com emoção pela atriz Elisa Lucinda. Noite de muita classe para um ator que atravessou e deixou sua marca em diversas fases do cinema brasileiro – do cinema novo à produção contemporânea. Pitanga, aos 84 anos, agora dirige um filme sobre a Revolta dos Malês.

Mas houve muito mais – a medalha Paulo Emílio entregue à professora Dácia Ibiapina e também vaias a um gestor de um dos grupos que viabilizaram o festival este ano.

Não se trata de ingratidão: o discurso sobre empreendedorismo e meritocracia não pegou bem com a tradicionalmente engajada plateia do festival. Daí os aplausos à secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, que enfatizou a necessidade de discutir temas como a definição da cota de tela, ainda emperrada.

<b>Abusos</b>

Nesse clima foi apresentado o filme de abertura desta edição, o fora de concurso <i>Ninguém Sai Vivo Daqui</i>, de André Ristum. Adaptado do livro-reportagem da jornalista Daniela Arbex, <i>Holocausto Brasileiro</i>, que conta casos do tenebroso hospital psiquiátrico de Barbacena.

O local é um ícone dos abusos autoritários da psiquiatria tradicional, denunciados por Michel Foucault em <i>História da Loucura</i>. Helvécio Ratton fez um documentário, <i>Em Nome da Razão</i>, sobre o assunto e sobre o estabelecimento.

A tradição do tema firmou-se no cinema em obras como aquela que talvez seja seu paradigma – <i>O Estranho no Ninho</i>, de Milos Forman.

Ristum toma alguns casos descritos por Daniela Arbex em seu livro e lhes dá tratamento ficcional.

Em especial, a história da protagonista, uma mocinha que engravida do namorado e recusa um casamento de conveniência arranjado pelo pai autoritário. Em represália pela desobediência, o fazendeiro manda a filha à Colônia.

Arranja um diagnóstico médico de esquizofrenia e a moça é enfiada num trem, junto com um amontoado de pessoas "loucas". Sabe-se que instituições desse tipo servem como punição a rebeldes e indesejáveis de todos os tipos, para elas enviados. "Para o próprio bem da pessoa."

Esse "trem dos loucos" também fazia parte da mitologia mineira em torno do tema da desrazão. Está em um dos mais geniais contos de Guimarães Rosa, <i>Sorôco, sua Mãe, sua Filha</i>, com o personagem-título conduzindo mãe e filha ao trem fantasma cujo destino final era a colônia para "alienados".

<b>Masmorra</b>

A filmagem é toda em preto e branco, opção considerada ideal pelo diretor para o tratamento de tema tão pesado. Elisa (Fernanda Marques) sofre o diabo naquela masmorra, mas encontra aliados e aliadas.

Há o inevitável vilão, o enfermeiro vivido por Augusto Madeira. Mas há também a paciente senhora interpretada por Rejane Farias (de Marte Um), internada há muito tempo e vivendo à espera de um filho. Andréia Horta (de Elis) faz o papel da amante de um político local que promete a cada visita tirá-la dali. Bukassa Kabengele interpreta outro interno rebelde.

O filme dialoga com o melodrama, e mesmo com o folhetim, em uma situação de fuga. Ignora a verossimilhança em várias passagens e, vez por outra, abusa da trilha sonora para produzir um clima de terror. Foi aplaudido, com parcimônia, por um público já um tanto esgotado pela longa duração da cerimônia de abertura.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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