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Lucinha Turnbull ensaia retorno com show solo aos 62 anos

A senhora só vive por três ou quatro minutos naquele corpo frágil, com todos aqueles cabelos brancos. Lúcia chega com um sorriso grande que começa imediatamente a resgatá-la de seus 62 anos. O fotógrafo pede para fazermos as fotos antes da entrevista, antes que a chuva chegue, e ela sorri. Atravessamos a rua, escolhemos um portão cor de laranja como fundo e ali ela fica, o tempo que for preciso. Quando diz que sua guitarra Tanglewood SG tem nome de gente, Aurora, já tem 30 anos a menos. E, quando finalmente senta-se para ativar as memórias que vão intactas até os 13 anos, quando ganhou um violão Di Giorgio da mãe, seus olhos se enchem de brilho e ela já é Lucinha Turnbull.

Sua existência é um alerta ao olhar da plateia: ao lado do protagonista mais visível, o que as luzes perseguem, pode haver outro, pronto para voar. Lucinha se criou na sombra de alguns deles. Ganhou aos poucos o respeito e a amizade dos irmãos Sérgio Dias e Arnaldo Baptista, dos Mutantes, que conheceu nos bastidores do programa de TV que Ronnie Von apresentava na Record. Criou com Rita Lee a dupla As Cilibrinas do Éden, um elo perdido na história, encravado entre o fim dos Mutantes e o início do Tutti Frutti, a banda mais roqueira de Rita. Entrou para o Tutti Frutti a tempo de gravar o disco Atrás do Porto tem uma Cidade, de 1974, antes de sair por forças superiores. A banda havia ficado pequena demais para duas mulheres. Ganhou então abrigo no grupo de Gilberto Gil para tocar no álbum Refavela e no seguinte, Refestança, de que Rita também participou, e seguiu seu caminho a serviço de mais protagonistas. Moraes Moreira, Guilherme Arantes, Erasmo Carlos. Quando chegou o ano de 1980, tentou decolar com um disco seu cheio de personalidade, Aroma, que se tornou seu único álbum solo. Ali, ela já levava um título de difícil constatação científica, mas de muita persuasão: “A primeira guitarrista do Brasil”. E outro da antiga Revista Pop, que nunca foi receber: “A melhor guitarrista base do País”. O melhor do mundo, eleito na mesma revista, era Mick Taylor, dos Stones (que nem base era).

Lucinha Turnbull faz agora o ensaio mais sólido de seu retorno. Sua Aurora não parou por esses anos. Entre aparições esporádicas, ela ensaia com o grupo formado pelos garotos da Associação Meninos do Morumbi e foi chamada para tocar no último sábado, 23, quando Edgard Scandurra e Silvia Tape lançaram o disco Est no Sesc Belenzinho. A melhor notícia, no entanto, é o show fechado pelo produtor, músico e jornalista Moisés Santana, que vai levá-la aos holofotes para uma retrospectiva pela primeira vez em 35 anos.

O show de sua reaparição será dia 11 de março, no teatro do Sesc Belenzinho. O repertório está sendo pensado para sobrevoar seus feitos. Além de quatro músicas de Aroma (a faixa-título foi um presente de Gil para sua carreira), ela vai mostrar algumas inéditas (caso de Me Acalma), lembrar de Mamãe Natureza (a música é de Rita, mas o solo é seu) e de parcerias como Bobagem (com Rita), Frio (Paulo Leminski) e Classe Média Requentada (Mathilda Kovak). O show será gravado em vídeo.

Mulheres empunhando guitarras eram tão comuns quanto homens dançando balé naqueles inferninhos do despontar de 1970. Filha de pai escocês publicitário, Lucinha teve acessos privilegiados desde a infância. Morou em Londres entre 1969 e 1970, quando tornou-se membro do fã-clube oficial dos Beatles, e testemunhou a história assistindo a Ten Years After e Deep Purple com orquestra no Royal Albert Hall.

Mesmo com as credenciais de duas temporadas londrinas nas costas (a segunda foi em 1972), penou até que entendessem que não estava brincando. “Eu tinha que ser melhor do que os meninos. Era normal que minha guitarra não aparecesse, que fosse mais baixa que a dos outros.” O solo que faz em De Leve, versão de Get Back, do álbum Refestança, flagra o momento em que o volume de sua guitarra é aumentado às pressas no início, mostrando o quanto estava baixo antes dele.

Mas preconceitos nunca chegam sozinhos, e Lucinha tinha mais um pela frente. Seu negócio não eram solos, mas bases. “Eu lutei por isso, adorava as guitarras rítmicas do John Lennon, do Keith Richards”, diz. “Eu nunca quis ser uma superstar.” Ela fala olhando a rua pela janela da padaria em que conversamos, em Higienópolis. “E algo me diz que sou mais feliz do que muitos que vivem enclausurados. É muito bom poder andar por essas ruas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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