Ao defender que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ser sigilosos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforça o controle ao acesso de informações e a falta de transparência, prática que era adotada na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e vem sendo copiada por setores do seu governo. Os casos em que pastas e órgãos estatais negaram a divulgação ou colocam sob sigilo dados públicos se acumulam desde o início do mandato.
Os gastos das viagens nacionais e internacionais do presidente, a lista de entradas e saídas do Ministério da Economia, a relação dos 3,5 mil convidados que participaram do coquetel de posse no Itamaraty no início do ano são alguns exemplos em que o petista contraria a promessa de campanha de aumentar a lisura e o acesso às decisões do governo federal.
Lula voltou a defender o sigilo do voto dos ministros do Supremo para, segundo o chefe do Executivo, controlar a "animosidade" contra as instituições brasileiras. A declaração do petista ocorre após o ministro do STF Cristiano Zanin, indicado por ele ao cargo, sofrer críticas da esquerda, inclusive de integrantes do PT, por posicionamentos contrários a temas considerados progressistas e sociais.
"Eu, aliás, se eu pudesse dar um conselho, é o seguinte: a sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Sabe, eu acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber. Votou a maioria 5 a 4, 6 a 4, 3 a 2. Não precisa ninguém saber", disse no programa "Conversa com o Presidente", live semanal produzida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
<b>Entradas e saídas do Ministério da Economia</b>
Uma das negativas de acesso à informações do governo foi do Ministério da Economia, que se recusou a compartilhar a lista de entradas e saídas do prédio da pasta durante os primeiros meses de 2023. O Ministério da Economia foi extinto por Lula, mas sua estrutura de gestão permanece na plataforma Fala.BR, mesmo após a divisão entre as pastas da Fazenda, Gestão, Planejamento, Indústria e Povos Indígenas.
Para justificar a negativa ao compartilhamento de dados sobre quem visitou o Ministério da Economia, a pasta afirmou que o conteúdo dos registros é "informação que gira em torno do conhecimento sobre informações pessoais" e que, para processar esses dados, teria um trabalho adicional.
Para a Casa Civil da Presidência, a reportagem pediu acesso aos gastos das viagens nacionais e internacionais de Lula. Mas o pedido foi negado também.
<b>Viagens de Lula</b>
Para a Casa Civil da Presidência da República, o <b>Estadão</b> pediu, por meio da LAI, acesso aos gastos das viagens nacionais e internacionais de Lula. Em resposta, o órgão afirmou que não poderia enviar essas informações devido, principalmente, ao artigo 24 da Lei de Acesso à Informação que define que "as informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição".
Entretanto, os gastos com viagens oficiais exigem prestação de contas, conforme a LAI, já que se utiliza de recursos oriundos de cofres públicos. No governo de Jair Bolsonaro, marcado por negar o acesso a centenas de informações públicas, os gastos com viagens eram divulgados, ao longo do mandato, pela Secretaria-Geral da Presidência.
<b>Lista de convidados do Itamaraty</b>
Em janeiro deste ano, logo após a posse, o governo do petista pôs sigilo sobre a lista dos 3.500 convidados que participaram do coquetel de posse no Itamaraty, no dia 1º de janeiro. Em resposta a um pedido feito pela coluna Radar, da revista Veja, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Ministério de Relações Exteriores disse que a lista tem "caráter reservado".
Na resposta, a pasta ainda deu a entender que a solicitação não estaria de acordo com o interesse público, ao afirmar que "não serão atendidos pedidos de informação que sejam desarrazoados, isto é, que se caracterizem pela desconformidade com os interesses públicos do Estado em prol da sociedade". Criticado pela restrição, o governo acabou liberando depois a lista dos convidados.
<b>Imagens dos ataques golpistas</b>
Por meio do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o governo também se recusou a compartilhar a íntegra das imagens dos ataques golpistas ao Palácio do Planalto feitas pelas câmeras internas do prédio. O sigilo foi decretado após um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI) feito pela Folha de S. Paulo.
Segundo a argumentação do GSI, liderado pelo general Gonçalves Dias, "não é razoável" o compartilhamento da íntegra das imagens por expor informações de métodos, equipamentos, procedimentos operacionais e recursos humanos da segurança presidencial.
O sigilo imposto à íntegra das imagens diverge da posição apresentada pelo presidente Lula durante a campanha, quando fez críticas severas à ocultação de informações do governo anterior. Em diversos discursos, o petista defendeu que, no seu governo, o cenário seria "mais transparente".