O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou nesta segunda-feira, 22, um plano de estímulo à indústria brasileira, que enfrenta um quadro crônico de estagnação e perda de competitividade. Batizado de Nova Indústria Brasil, o pacote reedita políticas de antigas gestões petistas ao prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor, até 2026, além de uma política de obras e compras públicas, com incentivo ao conteúdo local (exigência de compra de fornecedores brasileiros).
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lidera a iniciativa, mobilizando R$ 250 bilhões dos R$ 300 bilhões previstos em créditos ao setor produtivo. Desse total, R$ 77,5 bilhões já foram aprovados em 2023, sendo R$ 67 bilhões do banco de fomento e R$ 10,5 bilhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que administra o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Uma das linhas já disponíveis é o Programa Mais Inovação, que concede crédito cobrando a variação da Taxa Referencial mais um adicional de 2%. Segundo o Palácio do Planalto, trata-se dos "menores juros já aplicados para financiamento à inovação no País". Outros R$ 20 bilhões serão concedidos exclusivamente pelo Finep, por meio de recursos não-reembolsáveis, ou seja, que não precisam ser devolvidos e que serão distribuídos via chamadas públicas e editais.
No evento, Lula afirmou que os R$ 300 bilhões são um "alento" para a indústria "dar um salto de qualidade". "É muito importante para o Brasil que a gente volte a ter uma política industrial inovadora, totalmente digitalizada, como o mundo exige hoje, e que a gente possa superar de uma vez por todas esse problema de o Brasil nunca ser um país definitivamente grande e desenvolvido", afirmou o presidente.
"O nosso problema era dinheiro. Se dinheiro não é problema, então nós temos que resolver as coisas com muito mais facilidade", disse Lula, ao cobrar os ministros para que apresentem resultados pelo novo programa. A fala do presidente chama a atenção num contexto de grande incerteza em relação ao cumprimento da meta de déficit zero neste ano, com a equipe econômica debruçada sobre o Orçamento, que precisa ser sancionado até esta segunda-feira, 22.
"Muitas vezes, para que o Brasil se torne competitivo, tem que financiar algumas das coisas que ele quer exportar. A gente não pode agir como a gente sempre agiu, achando que todo mundo é obrigado a gostar do Brasil e que todo mundo vai comprar no Brasil sem que a gente cumpra com as nossas obrigações. O debate a nível de mercado internacional é muito competitivo, é uma guerra", disse Lula.
"Muita gente fala em livre mercado quando é para vender, mas, quando é para comprar, protege o seu mercado como ninguém", complementou o presidente.
Economistas, porém, são críticos ao formato do novo plano e veem um "vale a pena ver de novo". Em entrevista ao <b>Estadão</b>, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, afirmou que a política é uma "velha roupagem de coisas que a gente já conhece: uma velha política industrial baseada em usar recursos" públicos.
Vale se refere à política de estímulo à industrialização iniciado no segundo mandato de Lula, que elegeu empresas de setores específicos na chamada política de campeãs nacionais. Além disso, concedeu crédito subsidiado, via BNDES, para compra de máquinas e caminhões e exigiu conteúdo local nas contratações feitas pela Petrobrás.
<b>Mercadante rebate críticas</b>
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, rebateu as críticas e defendeu a volta do investimento estatal, alegando que outros países também estão nessa trilha.
"Precisamos fazer um debate franco. Eu quero perguntar a esses que escrevem todos os dias dizendo que estamos trazendo medidas antigas: me expliquem a China? Por que a China é o país que mais cresceu no mundo nos últimos 40 anos? Me explique a política econômica americana. Já são dois trilhões na década em subsídio, incentivo, em investimento público para atrair empresas, inclusive empresas brasileiras", afirmou.
"Não tem como rever a indústria brasileira sem uma nova relação de Estado e mercado. Não é substituir o mercado, não é não acreditar na importância do mercado, que é uma instituição indispensável de desenvolvimento econômico. Mas o Brasil precisa, diante de desafios históricos, da transição digital acelerada e do imenso desafio da crise ambiental (…) a transição para a economia verde exige a participação do Estado", destacou.
Mercadante afirmou, ainda, que o valor de R$ 300 bilhões é "piso" do que o governo deseja aplicar na política industrial e afirmou que os demais bancos estatais – Banco do Brasil e Caixa, além da Finep – "trabalharão de forma coordenada no mesmo objetivo".
<b>Plano é focado em seis áreas</b>
O Nova Indústria Brasil é focado em seis áreas específicas, que possuem metas de entrega para um horizonte de dez anos. São elas: cadeias agroindustriais; saúde; bem-estar das pessoas nas cidades; transformar digitalmente; bieconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas; e defesa.
No caso do eixo ligado à saúde, por exemplo, uma das metas é elevar de 42% para 70% a participação da indústria nacional na produção de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos. Já no caso da área de defesa, busca-se obter autonomia na produção de 50% das tecnologias "críticas" para a área.
"Ficamos sete anos sem ter reunião do CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial) e esta já é a segunda no seu governo. Lula é compromissado com a indústria, porque sabe que não tem desenvolvimento mais forte sem indústria forte", afirmou Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços durante o evento no Palácio do Planalto.
O ministro estava ao lado do presidente Lula e do ministro da Casa Civil, Rui Costa. O evento também contou com a participação de empresários, como Guilherme Gerdau e Márcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Chamaram a atenção, porém, as ausências dos ministros da área econômica. Não estavam presentes Fernado Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento.
No discurso, Alckmin também relembrou outras iniciativas, como a depreciação acelerada, que permite que as empresas abatam mais rapidamente, dos impostos federais, os investimentos em maquinário; e a utilização do poder de compra do Estado para contratações públicas, como obras e compras da administração direta e de empresas estatais para alavancar o desenvolvimento industrial em áreas consideradas estratégicas, como infraestrutura, energia limpa, saúde e defesa.
Nesses casos, sobressaem iniciativas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), coordenado pela Casa Civil, bem como as aquisições realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas Forças Armadas Brasileiras.
No âmbito das compras públicas, o foco está em três instrumentos que o Estado pode utilizar para fomento do desenvolvimento: margens de preferência (diferencial de preços, nas compras públicas, para beneficiar os produtos nacionais); compensações tecnológicas, industriais e comerciais (offsets); e encomendas tecnológicas.