O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou seu principal discurso na 15ª Cúpula do Brics para defender que os demais países do bloco discutam abertamente a guerra na Ucrânia. Lula disse que o Brics deve atuar para favorecer o entendimento e reiterou a disposição do Brasil de ajudar a mediar a paz.
"Não podemos nos furtar a tratar do principal conflito da atualidade, que ocorre na Ucrânia e tem efeitos globais. Não subestimamos as dificuldades para encontrar a paz, tampouco podemos ficar indiferentes às mortes e à destruição que aumentam a cada dia", afirmou Lula, durante discurso aberto em Johannesburgo.
"Achamos positivo que um número crescente de países, entre eles do Brics, também estejam engajados em contato direto com Moscou e Kiev. A busca pela paz é um dever coletivo e imperativo para desenvolvimento justo e sustentável. Os Brics devem atuar como força pelo entendimento e cooperação. Nossa disposição está expressa na contribuição da China, da África do Sul e do meu próprio País para a solução do conflito na Ucrânia."
Lula e os demais líderes já haviam tido conversas reservadas duas vezes durante a cúpula. O Brasil pressionou para que uma declaração sobre a guerra conste ainda no documento final da cúpula. Embora não estivesse presencialmente, o presidente russo Vladimir Putin assistia ao discurso do brasileiro por meio de uma conexão em vídeo.
O assunto é um incômodo para os países do bloco, e não há consenso de posições. Além do envolvimento direto da Rússia, país responsável por invadir militarmente um país vizinho em 2022, de todos os demais somente o Brasil condenou a ação, em votações nas Nações Unidas. Os demais se abstiveram.
"O Brasil tem posição histórica de defesa da soberania e da integridade territorial e de todos os princípios das Nações Unidas", recordou Lula.
Em aceno aos dois lados, o petista afirmou que não vai reconhecer as exigências unilaterais de cada lado, seja a proposta de paz de Kiev ou de Moscou, e reconheceu que o entendimento ainda passa por "dificuldades". O presidente tem defendido um cessar-fogo imediato, para que então os dois países envolvidos iniciem rodadas de discussão para encerrar a guerra, e se colocou à disposição para contribuir no processo.
"O Brasil não contempla fórmulas unilaterais para a paz. Estamos prontos para nos juntar a um esforço que possa nos efetivamente contribuir pra um pronto cessar-fogo e para uma paz justa e duradoura", disse o petista.
Em campanha no Brics para obter um assento no Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas, Lula afirmou que a guerra na Ucrânia evidencia as "limitações" do conselho e que "muitos outros conflitos e crises estão por vir".
"Enfrentamos um cenário mais complexo do que quando nos reunimos pela primeira vez. Em poucos anos retrocedemos de uma conjuntura de multipolaridade benigna, para uma que retoma a mentalidade obsoleta de Guerra Fria e da competição geopolítica. Essa é uma insensatez que gera grandes incertezas e corrói o multilateralismo, sabemos bem onde esse caminho pode nos levar. O mundo precisa compreender que os riscos envolvidos são inaceitáveis para a humanidade", alertou Lula.
<b>Clima</b>
Em outro gesto duro, Lula culpou novamente os países desenvolvidos – em recado aos europeus – pela crise climática global. O presidente exigiu que eles deixem de "terceirizar" a culpa ao Sul Global – grupo de nações entre os quais o Brasil se inclui – e cumpram compromissos de contribuir com recursos para os países menos desenvolvidos poderem investir em proteção ambiental.
"Os grandes responsáveis pelas emissões de carbono que causam a crise climática foram aqueles fizeram revolução industrial e alimentaram o extrativismo colonial predatório. Eles têm divida histórica com o planeta Terra e a humanidade. Precisamos valorizar o Acordo de Paris e a Convenção do Clima, em vez de terceirizar a responsabilidade climática para o Sul Global", reagiu o petista.
"É muito difícil combater a mudança do clima enquanto países em desenvolvimento lutam contra fome, pobreza e outros tipos de violência. O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, mantém sua atualidade", disse Lula.
O presidente brasileiro pediu ainda mudanças no financiamento climático e de biodiversidade, com oferta de dinheiro "verdadeiramente novo e adicional em relação ao financiamento ao desenvolvimento".
Segundo Lula, o endividamento externo de países pobres restringe o desenvolvimento sustentável. "Precisamos de um sistema financeiro que ajude países de média e baixa renda a fazer mudanças estruturais. É inadmissível que países pobres sejam penalizados com juros oito vezes mais altos do que os cobrados dos países ricos", reclamou.
<b>Moeda</b>
Lula disse que o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff, pode se tornar uma opção e defendeu a "criação de uma moeda para transações comerciais e de investimento entre membros do Brics". Segundo Lula, ela aumenta opções de pagamento e reduz as vulnerabilidades. O assunto foi discutido entre os líderes, mas não houve decisão de adotar uma moeda comum neste momento.