Estadão

Lula e Biden se reaproximam em NY após semestre marcado por tensões sobre guerra na Ucrânia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa nesta quarta-feira, 20, em Nova York de uma reunião com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que marca uma reaproximação dos dois.

Biden agradeceu a Lula pela presença nos Estados Unidos e pela parceria com o presidente brasileiro no objetivo de superar os desafios atuais do mercado de trabalho. Já o petista elogiou o encontro com o mandatário americano, acrescentando que os dois são parceiros na luta pela democracia.

Lula também ressaltou a possibilidade de uma aproximação entre Brasília e Washington por meio de blocos como o Brics e o G-20. O Brasil ocupa a presidência rotativa do bloco das vinte maiores economias do mundo.

<b>Iniciativa</b>

Após um primeiro semestre ruidoso em grande parte pelas declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia e o papel exercido pelos EUA no conflito, os dois presidentes lançaram uma iniciativa global em defesa de direitos trabalhistas.

O encontro aconteceu em paralelo à Assembleia-Geral da ONU, na qual os dois presidentes abriram com os discursos nesta terça-feira, 19. O discurso de ambos tiveram pontos de convergência, mas, sobre à invasão russa na Ucrânia, o tema mais sensível da relação entre Lula e Biden, o tom destoou. Biden foi enfático em defesa da Ucrânia, enquanto Lula foi mais vago. O tema também esteve na conversa desta quarta-feira, após meses de desentendimento entre os dois países.

Na viagem que fez à China em abril, Lula criticou os Estados Unidos e a Europa pelo fornecimento de armas à Ucrânia. A declaração irritou Washington e a União Europeia, que acusaram Lula de aderir à propaganda russa. Três dias depois da declaração do petista, o chanceler russo, Serguei Lavrov, esteve em Brasília e declarou em russo que o Brasil e a Rússia estavam "alinhados" (utilizando uma expressão em russo que significa que duas partes emitem o mesmo som). O governo americano, então, cobrou explicações do Brasil.

Autoridades americanas chegaram a afirmar que estavam "decepcionados", "preocupados" e "surpreendidos" com os movimentos da diplomacia brasileira sob Lula, mas não se afastaram do petista por o considerarem um líder com valores em comum com a gestão do democrata Joe Biden. A proximidade dos EUA com o Brasil também é estratégica para os americanos para conter a influência da China na América Latina, num contexto de disputa cada vez maior entre as duas superpotências atuais.

"O Brasil é uma voz importante, uma voz global, acredito que também é uma ponte entre os países mais ricos e as economias em desenvolvimento", disse uma fonte do governo americano à Agência France-Press (AFP). "Talvez no âmbito comercial a China esteja fazendo mais no lado dos investimentos, mas chave é que Pequim não reconhece os atores não estatais como legítimos na política", acrescentou a fonte.

Em maio, a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti, disse ao Estadão que os ruídos provocados por declarações de Lula a respeito da guerra na Ucrânia já haviam se dissipado e reiterou que os dois países não vão concordar em todos os temas. "Há uma compreensão para o fato de que o Brasil nem sempre vai concordar, ter uma identidade de posições com os EUA e isso é normal numa relação entre dois países soberanos, com seus próprios interesses", declarou.

A iniciativa global lançada nesta quarta, chamada Coalizão Global pelo Trabalho, não significa um alinhamento maior do Brasil com os Estados Unidos e consequente distanciamento da China. Segundo analistas, o País mantêm uma posição de equidistância da competição entre as duas nações e tem condições de aumentar a convergência com ambas.

Com os EUA em específico, desde a eleição de Lula o governo Biden tem construído uma relação baseada na agenda comum entre os dois países. O discurso de ambos os líderes na Assembleia-Geral externaram alguns desses temas: a defesa da democracia, do meio ambiente e a preocupação com as mudanças climáticas. Na semana passada, durante a cúpula do G-20, a boa relação entre ambos ficou evidente com o lançamento de uma outra iniciativa, focada em popularizar o uso do etanol em países emergentes.

Desta vez, a iniciativa global em defesa de direitos trabalhistas evidencia mais uma pauta em comum entre os dois governos. O documento defende a expansão das garantias trabalhistas e liberdade sindical em todo o mundo, principalmente em novas relações entre patrões e empregados, como no setor de aplicativos.

Em agosto, Lula e Biden conversaram por telefone para discutir os termos da iniciativa. Após a conversa, o presidente brasileiro, formado politicamente no sindicalismo, mostrou o entusiasmo. "É a primeira vez que trato com um presidente interessado nos trabalhadores", declarou. Uma fonte do governo americano declarou à Agência France-Press (AFP) que os dois presidentes compartilham uma "clara afinidade" sobre o tema.

Para Biden, a defesa dos direitos trabalhistas e da classe média se tornou uma das pautas prioritárias para as eleições de 2024.

<b>Objetivo</b>

O objetivo da cooperação é incluir outros países para superar os desafios atuais do mercado de trabalho. A meta é lutar contra a exploração, incluindo o trabalho forçado e o trabalho infantil, a economia informal, a discriminação no ambiente de trabalho, em particular contra mulheres e pessoas LGBTQI+, e a marginalização de grupos raciais e étnicos, segundo uma fonte ouvida pela AFP.

Os governos também pretendem estabelecer uma prestação de contas e abordar os investimentos público e privado, a transição para energias limpas e a transformação digital.

"Queremos garantir que esta iniciativa apresente resultados concretos para os trabalhadores nos próximos meses", afirmou uma fonte do governo americano, no momento em que os Estados Unidos enfrentam uma greve no setor automotivo e uma paralisação de atores e roteiristas em Hollywood. "Nada nesta iniciativa deve ser interpretado como algo que desencoraja ou limita o direito à greve", acrescentou.

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