O governo Luiz Inácio Lula da Silva começou a abrigar aliados em cargos estratégicos de empresas públicas que rendem até R$ 40 mil extras por reuniões mensais ou bimestrais. Os assentos nos conselhos das estatais são entregues para contemplar apoiadores, garantir controle nas decisões sobre os rumos das companhias e incrementar as remunerações de ministros e executivos.
No ano passado, 77 empresas públicas repassaram R$ 14,6 milhões em honorários e jetons para 460 pessoas. O gasto com os extras é ainda maior porque as empresas de economia mista não seguem as mesmas regras de transparência, e os valores pagos não são revelados. Os valores devem ser repetidos até dezembro.
As primeiras alterações no governo Lula já foram realizadas no Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), após a renúncia, em janeiro, de seis nomeados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Um conselheiro do BNDES recebe R$ 8,1 mil para reuniões mensais, além das extraordinárias.
Entre os novos membros da equipe estão a ex-ministra de Meio Ambiente Izabella Teixeira, que atuou no segundo mandato de Lula e no governo de Dilma Rousseff (PT), e o climatologista Carlos Nobre. A entrada deles, segundo o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, visa a uma "transição ambiental" no banco.
Chefe da assessoria especial da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e ex-assessor do gabinete da liderança do PT no Senado, Jean Keiji Uema também virou conselheiro do BNDES. Além dele, está também Robinson Barreirinhas, secretário da Receita Federal escolhido pelo ministro da Economia, Fernando Haddad. Barreirinhas chefiou a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de São Paulo na gestão de Haddad (2013-2016).
Para a presidência do conselho foi escolhido o economista Rafael Lucchesi, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do governo do petista Jaques Wagner, na Bahia. Lucchesi também esteve na equipe de transição do governo Lula, no fim do ano passado.
<b>MAIS MUDANÇAS.</b> Os governistas já preparam substituições em outros conselhos. Na Itaipu Binacional, indicações de Jair Bolsonaro devem perder em breve os cargos com remunerações de R$ 34 mil para encontros bimestrais. Entre os bolsonaristas remanescentes, estão o ex-assessor especial Célio Faria Junior e os ex-ministros Bento Albuquerque e Adolfo Sachsida.
Bento está no centro do escândalo da entrada ilegal de joias no Brasil, revelado pelo <b>Estadão</b>. Por indicação de Bolsonaro, os ex-ministros têm mandato até maio de 2024. O regimento da empresa, porém, permite a substituição dos conselheiros a qualquer tempo. O governo Lula está preparando as substituições, segundo petistas. Os novos nomes estão sendo analisados pela Casa Civil.
<b>INCREMENTO.</b> As vagas de conselheiros das empresas costumam ser entregues a ministros e executivos provenientes da iniciativa privada para incremento salarial. Os jetons não são considerados salário e por isso não entram nos cálculos de teto salarial, equivalente à remuneração mensal de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que passará a R$ 41,6 mil a partir de abril.
O chefe da pasta das Comunicações, Juscelino Filho, assumiu a presidência do Conselho Deliberativo da Fundação Sistel de Seguridade Social, o fundo de pensão complementar dos trabalhadores das empresas de telecomunicações. Por ser uma entidade privada, a remuneração dos membros do conselho não é pública.
Deputado licenciado do União Brasil do Maranhão e sem expertise no ramo das telecomunicações, Juscelino Filho entrou na vaga da Telebras. A empresa diz que indica "executivos de alto nível como membros representantes para compor o seu conselho deliberativo". É praxe a Telebras indicar um nome do ministério para o conselho. Até o ano passado a pasta era representada não pelo ministro, mas pela então secretária executiva, Maria Estella Dantas.
O governo Lula ainda não alterou a composição dos principais conselhos administrativos de estatais. Empresas como Petrobras e Embraer pagam jetons superiores a R$ 40 mil. As primeiras reuniões deliberativas estão em vias de serem realizadas. São previstas novas trocas a partir de abril deste ano. Procurada, a Casa Civil não comentou.
<b>DECISÃO.</b> Em 2020, o Supremo decidiu que políticos e servidores podiam acumular os vencimentos, extrapolando o teto atual do funcionalismo. As gratificações que garantiram supersalários foram consideradas remunerações privadas. Essa situação foi questionada por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PT e pelo PDT ainda em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso. Depois da gestão do tucano, entretanto, os governos petistas de Lula e Dilma e também os de Michel Temer (MDB) e Bolsonaro recorreram à prática dos jetons para turbinar os vencimentos dos aliados políticos.
No governo Bolsonaro, generais da reserva e integrantes da equipe econômica estavam entre os que extrapolaram o teto do serviço público com nomeações para os conselhos de estatais. Um dos discursos do governo anterior é que, no caso da área econômica, os vencimentos inflados permitiam a contratação de executivos da iniciativa privada com salários mais elevados.
A priori, as indicações precisam passar por análise de instâncias do governo. A Casa Civil dá a palavra final sobre a aptidão técnica e a capacidade dos indicados para ocuparem cargos nos conselhos das empresas públicas. No entanto, virou quase uma praxe a nomeação de pessoas próximas do presidente ou de ministros sem relação direta com as áreas de atuação das estatais.
<b>LIMITES.</b> Iniciativas para limitar os jetons costumam não ir adiante. Em uma rara inflexão da prática de inflar os salários, a Lei de Estatais, de 2016, proibiu que dirigentes partidários assumissem cargos de direção. A norma que estabeleceu diretrizes de governança para as estatais, entretanto, não impediu o uso dos conselhos como instrumento de garantir altos vencimentos nem como moeda de troca nas negociações do Palácio do Planalto com o Congresso.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>