O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi aconselhado a usar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a regulamentação da lei que institui a renda básica para pagar o Auxílio Brasil (que deve voltar a chamar Bolsa Família) de R$ 600 a partir de 2023 sem precisar de a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ter sido aprovada.
Essa alternativa, discutida entre ministros do STF e o presidente eleito, é a quarta proposta na mesa apresentada à equipe de transição.
Em decisão proferida em 2021, o STF obrigou o governo a pagar uma renda básica da cidadania com base na lei 10.835 de 2004 de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy que nunca tinha sido regulamentada.
Pela decisão na época, o benefício deveria começar a ser pago a partir de 2022. A ação foi ajuizada pela Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul em nome de um morador de rua. Nenhum dos 11 ministros do Supremo votou contra a regulamentação. O relator do processo foi o ministro do STF Gilmar Mendes.
A lei brasileira, esquecida na gaveta por quase duas décadas, institui por etapas a renda básica de cidadania, começando pelos mais necessitados, até se tornar universal. A expectativa agora é que o Executivo planeje as etapas seguintes até chegar à renda básica universal e incondicional.
O argumento que foi colocado na mesa é que o governo eleito poderá fazer esse pagamento via crédito extraordinário, despesa que fica fora do teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação). O governo Bolsonaro alegou que cumpriu a decisão com a zeragem da fila do benefício.
Segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo, essa possibilidade foi citada, sem entrar em detalhes, na reunião de segunda-feira de Lula com integrantes da equipe de transição, coordenada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.
Essa porta de saída via decisão do STF para o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 foi deixada aberta para Lula, mas a equação do presidente eleito é apostar na conversa com o Congresso e tentar resolver na política antes da decisão final sobre o caminho a ser seguido.
Uma fonte da equipe disse ao jornal O Estado de S. Paulo que, para resolver o problema urgente do pagamento do benefício social, o STF precisaria ser explícito quanto à possibilidade de transcender todas as regras fiscais: teto de gastos, regra de ouro e meta de resultado primário. Isso para não ficar a insegurança jurídica, preocupação que ronda a equipe.
A estratégia até agora tem sido de seguir por dois caminhos: negociação de uma PEC ampla para abrir caminho às principais promessas de campanha e fazer ao mesmo tempo uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) para ver a possibilidade jurídica de fazer o pagamento do Auxílio em janeiro sem precisar da aprovação da PEC. Uma proposta não exclui a outra.
Antes da chegada de Lula nesta terça em Brasília, estão previstas várias reuniões da equipe de transição com o comando da Câmara, Senado e da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e lideranças partidárias.
Na reunião de segunda-feira, os técnicos apresentaram o custo das principais promessas de campanha, mas o ponto destacado por Lula na reunião foi o de que ele precisa ter as informações para que todos (inclusive a imprensa) entendam as razões do que vai ser executado de despesas e com quais finalidades.
Lula reforçou a necessidade na aposta do diálogo política para discutir com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que a proposta seja devidamente construída e não haja ruídos. No fim desta terça-feira, é esperado o resultado dessas conversas para fechar o texto.
A sugestão de usar a decisão do STF se junta a outras três propostas:
1) Aprovar a PEC da transição ampla, que afastaria as regras fiscais para pagar o Bolsa Família, permitindo a edição de um crédito extraordinário;
2) Consulta ao TCU para editar uma Medida Provisória com crédito extraordinário no início do ano que vem sem precisar da regra fiscal;
3) Consulta ao TCU para de usar o orçamento do Auxílio Brasil já previsto para pagar R$ 405. Essa solução segura o pagamento por oito meses, o que necessitaria de uma PEC mais para frente. Mas daria tempo para uma negociação.
<b>Política</b>
A discussão orçamentária para acomodar as promessas de campanha de Lula e permitir o aumento de gastos em 2023 está envolvida na disputa política para as presidências da Câmara e do Senado e na manutenção ou não do orçamento secreto, esquema revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo que consiste na transferência de verba a parlamentares sem critérios de transferência em troca de apoio político.
Na política, quem é a favor da PEC está se articulando ao presidente da Câmara para a proposta passar ainda neste ano, e acha que a chance é antes da eleição das mesas do Congresso, porque o comando atual tem que mostrar boa vontade. Quem é contra acha que não dá pra ficar na mão do Centrão.