Ao longo de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegeu uma série de medidas como carros-chefe de sua gestão, mas não foi capaz de cumprir todas as promessas antes do fim do ano. O governo realizou parte das propostas, como o Desenrola Brasil, para a renegociação de dívidas, o fim do teto de gastos, substituído pela nova regra fiscal, e o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Outros projetos, no entanto, não tiveram o mesmo destino.
O Voa Brasil, que prometia passagens aéreas a preços acessíveis, não saiu do papel, e o ministro que estava à frente da ideia foi despachado para outra pasta do primeiro escalão. Uma Medida Provisória editada por Lula em julho prometia zerar as filas do INSS, mas não surtiu o efeito esperado. E o desmatamento zero até 2030, apesar do prazo extenso, encontra-se com a viabilidade ameaçada em razão da onda de queimadas que afetou a região da Amazônia em 2023.
Além disso, Lula prometeu ao longo da campanha e durante o discurso de posse rever a legislação trabalhista. Uma revisão mais ampla das leis do trabalho nem sequer chegou a ser enviada ao Congresso. O governo apenas criou um grupo para discutir normas para trabalhadores de empresas por aplicativo, mas a regulamentação ainda está emperrada. O <b>Estadão</b> procurou a Presidência e os ministérios, que não se manifestaram. Confira as promessas não cumpridas.
<b>Voa Brasil</b>
Em março deste ano, o ministro Márcio França, então na pasta de Portos e Aeroportos, divulgou detalhes de um programa denominado Voa Brasil, por meio do qual estudantes, aposentados e pessoas com renda até R$ 6,8 mil poderiam ser beneficiados com passagens aéreas a preços subsidiados. Havia até a previsão para o início do programa, que estaria em vigor no segundo semestre de 2023.
Os problemas do Voa Brasil, no entanto, começaram dias depois das manifestações do ministro. Lula se irritou com a atitude de França em apresentar o programa em público, alegando que não havia tomado conhecimento da medida. Em reunião ministerial, na mesma semana, sem citar o nome do aliado, repreendeu as "genialidades" de ministros, divulgadas antes de passar pelo crivo do governo. "É importante que nenhum ministro e nenhuma ministra anuncie publicamente qualquer política pública sem ter sido acordada com a Casa Civil, que é quem consegue fazer que a proposta seja do governo", disse Lula.
Em julho, Márcio França chegou a confirmar ao <i>Estadão/Broadcast</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) que o Voa Brasil seria lançado no fim de agosto. No início de setembro, no entanto, a Esplanada passou por uma reforma para acomodar políticos do Centrão. França foi remanejado e, em seu lugar, foi nomeado Silvio Costa Filho, que se comprometeu com o avanço da medida, mas não a entregou até agora. Segundo Costa Filho, o programa ficou para 2024. O <b>Estadão</b> questionou a pasta dos Portos e Aeroportos sobre as razões do adiamento do programa, mas não obteve resposta.
<b>Aplicativos</b>
A proposta de regulamentar o trabalho por aplicativo foi prometida por Lula em janeiro. No dia 1.º de maio, o governo instituiu, por meio de decreto, um grupo de trabalho para discutir as normas para os apps de entrega e de carona. Naquele mês, as reivindicações da categoria por melhores condições de trabalho culminaram em paralisações pelo País.
Segundo o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), há mais de 1,7 milhão de motoristas e entregadores por aplicativo no Brasil. No atual modelo de operação, eles estão desprovidos de direitos trabalhistas, como férias remuneradas, indenizações do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e auxílio-desemprego.
A negociação avançou com as empresas de transporte de passageiros, mas está emperrada com os aplicativos de entregas. O grupo que discute o tema, no Ministério do Trabalho, de Luiz Marinho, enfrenta um impasse em duas questões: o valor mínimo da hora trabalhada e o que se consideraria, de fato, a hora trabalhada dos profissionais.
O ministro alegou que os aplicativos de entrega ainda não chegaram a um acordo porque "as empresas não fizeram proposta que correspondesse aos anseios e às necessidades que os trabalhadores colocaram na mesa". Ele ressaltou que a regulamentação "não é um acordo com o governo", mas sim um acerto entre as partes. "O governo é estimulador e intermediador."
Não há consenso quanto às horas que devem ser computadas para pagamento: os trabalhadores querem que as horas totais sejam consideradas, ou seja, todo o instante em que o aplicativo estiver ligado; as empresas não querem pagar as horas quando o motorista estiver esperando por novas entregas.
<b>Fila do INSS</b>
Em julho, o governo editou Medida Provisória para criar o Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social (PEFPS). O objetivo era cumprir uma promessa feita no discurso de posse: reduzir as filas de atendimento no INSS.
Naquele momento, 1,79 milhão de pessoas aguardava por análise de solicitação de benefício e perícia médica. A MP previa o pagamento de bônus por produtividade aos servidores. Em um mês de programa, no entanto, a redução no volume foi de apenas 5,7%: de 1,79 milhão para 1,69 milhão de pedidos sob análise. O INSS manteve a meta de zerar as esperas acima de 45 dias até o fim do ano, mas o objetivo não foi cumprido.
<b>Desmatamento</b>
"Nossa meta é alcançar desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica", disse Lula, no discurso de posse, sem estabelecer prazos. Em junho, na cúpula do Novo Pacto de Financiamento Global, na França, Lula afirmou a líderes europeus que eles poderiam visitar a Amazônia com desmatamento zero em 2030. O prazo foi selado semanas depois, na assinatura da 5.ª fase do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (Ppcdam).
Para Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, a meta de zerar o desmate só em 2030 é "inaceitável", pois Belém sediará a 30.ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em 2025 e, até lá, o País já deveria estar em posição de liderança no tema.
O desmatamento na Amazônia caiu 22,3% em um ano. O balanço do Ministério do Meio Ambiente trata do período entre agosto de 2022 e julho de 2023. É a primeira vez desde 2019 que a taxa de desmate fica abaixo de 10 mil km². No período da gestão de Lula, a queda foi mais acentuada. A onda de queimadas na região do bioma, no entanto, ainda é preocupante. Em outubro, Manaus, foi encoberta por uma nuvem de fumaça e registrou a segunda pior qualidade de ar do mundo.
A situação pode piorar em 2024. A verba para Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias encolheu e terá R$ 4 milhões a menos no Orçamento da União, aprovado pelo Congresso. O valor caiu de R$ 67 milhões para R$ 62,6 milhões.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>