O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou nesta segunda-feira, 11, no salvo-conduto dado por ele ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, alvo de mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra. Ao tentar justificar o deslize, Lula chegou a dizer que não sabia da existência do TPI e deixou em aberto a possibilidade de retirar o Brasil do tribunal.
O enrosco diplomático começou no sábado, 9, em entrevista ao canal indiano Firstpost. Lula disse que Putin não seria preso caso comparecesse à cúpula do G-20, que será realizada no Rio, em 2024. "O que eu posso dizer é que, se eu sou o presidente do Brasil, e ele for para o Brasil, não há por que ele ser preso", afirmou.
A declaração deixou a diplomacia brasileira de cabelo em pé. O Brasil é signatário do Estatuto de Roma, tratado que criou o TPI e foi incorporado ao direito brasileiro. Descumprir o mandado de prisão, portanto, significa não apenas ignorar o direito internacional, mas também, segundo alguns juristas, violar a lei brasileira, o que abre a guarda para um processo de impeachment por crime de responsabilidade.
"Não sei se a Justiça brasileira vai prender. Quem decide é a Justiça, não é o governo nem o Parlamento. Quem toma a decisão é a Justiça e temos de ver se vai acontecer alguma coisa", disse ontem o presidente, em entrevista antes de decolar de Nova Délhi de volta ao Brasil.
<b>Erros</b>
As últimas declarações criaram uma dor de cabeça para Lula. O primeiro erro foi corrigido ontem. A decisão de prender ou não Putin caberia ao Judiciário, não ao presidente. No entanto, ao justificar o que disse no domingo, 10, outras pontas ficaram soltas.
Ao tentar corrigir a rota, Lula sugeriu que pode defender uma eventual retirada do Brasil do Estatuto de Roma. "Quero estudar muito essa questão desse TPI, porque os EUA não são signatários, a Rússia não é signatária. Quero saber por que o Brasil é signatário", disse. "Vou dar uma pensada direitinho."
Ainda que possa haver debate sobre a posição ocupada por um tratado internacional de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, dificilmente um presidente poderia agir de maneira unilateral. Em junho, o STF decidiu que a denúncia de tratados internacionais pelo presidente deve ter aval do Congresso.
<b>Mudança</b>
Outro problema é não lembrar da existência do TPI, o mesmo tribunal que Lula quis fortalecer no primeiro mandato. Em 2004, o governo pretendia enviar um projeto de lei ao Congresso para adaptar a lei brasileira às normas do Estatuto de Roma. O objetivo era tipificar os crimes de genocídio e lesa-humanidade, ideia anunciada pelo então secretário dos Direitos Humanos, o petista Nilmário Miranda.
Recentemente, Lula defendeu a punição do ex-presidente Jair Bolsonaro por sua atuação na pandemia. Em abril, na Espanha, ele afirmou que Bolsonaro "um dia será julgado por um tribunal internacional". Embora não tenha citado nominalmente, o TPI é a corte que julga indivíduos acusados de genocídio.
Em fevereiro de 2022, parlamentares levaram o relatório final da CPI da Covid para o TPI. O documento acusava Bolsonaro de nove crimes no âmbito da pandemia. Na comitiva estavam os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>