Na primeira viagem internacional de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva insistiu em discursos com tom eleitoral, fez acenos à base do PT e afagou regimes autoritários da América Latina. No compromisso internacional, o petista reiterou a defesa de pautas alinhadas à esquerda, mas, ao tomar posse, afirmara que o Brasil precisava de pacificação e união.
Ao longo de dois dias de agenda oficial em Buenos Aires, onde participou da cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), o petista criticou o antecessor, Jair Bolsonaro, disse que o impeachment de Dilma Rousseff, conduzido pelo Congresso sob a vigilância do Supremo Tribunal Federal (STF), foi um golpe e pediu "muito carinho" na relação com Cuba e Venezuela. Hoje, segue para o Uruguai, onde se encontrará com o direitista Luis Alberto Lacalle Pou.
Para especialistas, Lula marcou uma diferença em relação a Bolsonaro ao fortalecer os laços com a Argentina – país atacado pelo antecessor – ao mesmo tempo que manteve animada a militância ao se queixar, nas falas públicas, das condutas do ex-presidente. Com o Brasil marcado pela polarização, o petista venceu Bolsonaro com margem estreita de votos (50,9% a 49,1%).
"Lula ainda está tentando encontrar um equilíbrio entre o discurso interno e o externo. Quando Lula foi presidente pela primeira vez, ainda não tinha a dinâmica digital que se tem hoje e era mais fácil manter os discursos internacionais dentro de uma certa caixinha, esses discursos transbordavam menos para o dia a dia político", disse Guilherme Casarões, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
<b>Militância</b>
Agora, segundo ele, há cobrança dos apoiadores por posicionamentos do presidente, além de maior repercussão dos eventos fora do País. "Lula tem um governo menos petista do que os governos anteriores. Por isso, ele usa as possibilidades que tem de discursar para fazer acenos à militância, incluindo a internacional", afirmou Casarões. Para ele, é "esperado" que Lula siga com as críticas ao antecessor, "ainda mais à luz do que aconteceu no dia 8", quando as sedes dos três Poderes foram alvo de golpistas.
Na terça-feira, 24, Lula citou o episódio em discurso na Celac. "Quero aqui aproveitar para agradecer a todos e a cada um de vocês que se perfilaram ao lado do Brasil e das instituições brasileiras, ao longo destes últimos dias, em repúdio aos atos antidemocráticos que ocorreram em Brasília. É importante ressaltar que somos uma região pacífica, que repudia o extremismo, o terrorismo e a violência política", afirmou o petista.
O presidente, no entanto, não fez nenhuma referência a países como Nicarágua, Cuba e Venezuela, que foram as razões da saída do bloco, de acordo com o governo Bolsonaro, que foi criticado: "Ao longo dos sucessivos governos brasileiros, desde a redemocratização, nos empenhamos com afinco e com sentido de missão em prol da integração regional e na consolidação de uma região pacífica, baseada em relações marcadas pelo diálogo e pela cooperação. A exceção lamentável foram os anos recentes, quando meu antecessor tomou a inexplicável decisão de retirar o Brasil da Celac."
<b> No mundo </b>
Lula esteve com o líder cubano, Miguel Díaz-Canel. Durante a Celac, o petista enalteceu "a volta" do Brasil ao cenário internacional.
No Twitter, Lula destacou as relações com o regime comunista de Cuba como um exemplo, ao postar foto com Díaz-Canel: "O Brasil restabelecendo suas relações diplomáticas no mundo". Segundo Casarões, essa solidariedade de esquerda também era esperada.
<b>Público interno</b>
O discurso voltado à militância interna, porém, não é uma exclusividade de Lula. Bolsonaro também adotou a estratégica em eventos internacionais, para denunciar, por exemplo, uma suposta ascensão do comunismo.
"Ao fazer críticas (a Bolsonaro), Lula de fato quer demarcar uma fronteira clara entre os dois no plano internacional, mas, obviamente, tudo serve para o público interno. Quando Bolsonaro ia para a ONU, fazia um discurso completamente voltado para o público nacional e ignorava o plano internacional", disse Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Já Lula tem a habilidade política de trabalhar no plano internacional, mas sem esquecer que isso ressoa nos apoiadores e na base no Brasil. O Bolsonaro teve postura isolacionista. O Lula, não."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>