O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechou seu gabinete a negociações no varejo com parlamentares do Centrão. Numa tentativa de se blindar de desgastes, ele terceirizou para ministros a articulação política com o baixo clero do Congresso e limita-se agora a encontros com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e dirigentes partidários. Nem mesmo lideranças de bancadas temáticas têm sido atendidas no gabinete presidencial.
A sala de Lula, que já esteve aberta a parlamentares nos dois primeiros mandatos, agora é espaço com acesso restrito. Deputados e senadores que vão ao Planalto estão sendo direcionados especialmente para o gabinete do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT).
O novo modelo, no entanto, não tem agradado congressistas. O "guichê político" de Padilha, como já revelou o <b>Estadão</b>, "não entrega" o que os políticos esperam. Deputados relataram "lentidão" e "morosidade" de Padilha na divisão dos cargos de segundo e terceiro escalões.
O ministro da articulação política, que deveria receber os parlamentares, já deu até mostras de que nem sempre está disponível para a tarefa de receber aliados no Planalto. Um deputado da União Brasil pediu uma audiência com Padilha, mas acabou sendo atendido por um assessor da Secretaria de Relações Instituições, mesmo o partido do parlamentar sendo peça chave para o governo Lula alcançar a governabilidade. A sigla dispõe da terceira maior bancada da Câmara, com 59 deputados. O Planalto tem tentado cooptar parte desses parlamentares por meio da distribuição de cargos na Esplanada para garantir seus votos em discussões de projetos-chave.
Em conversas reservadas, interlocutores do Planalto afirmam que a terceirização das conversas de Lula com deputados e senadores foi planejada pelos ministros e assessores mais influentes do governo, como o próprio Padilha. Seus interlocutores argumentam que, sob blindagem, o presidente pode priorizar a agenda de entrega de obras e a aprovação de reformas. Esses interlocutores ressaltam que o presidente teme ficar refém das bases do Centrão caso aumente sua exposição à classe política. O governo não conta com uma base consolidada e nem com verbas para liberar, de forma pulverizada, em troca de apoios.
No último dia 24, Lula recebeu Arthur Lira no Palácio da Alvorada para costurar um acordo com a presidência do Senado acerca do rito de tramitação das Medidas Provisórias. Com Pacheco, o último encontro foi no dia 28 de janeiro, também em busca de destravar o impasse em torno das medidas urgentes enviadas pelo governo ao Congresso. As conversas por telefone de Lula com os chefes do Legislativo, porém, são frequentes.
O núcleo duro de ministros do governo age para evitar que Lula seja associado também à repercussão de fatos negativos ocorridos no âmbito do Planalto. No primeiro governo Lula, por exemplo, entre 2003 e 2010, o governo acabou marcado pelo mensalão, um esquema de compra de apoio parlamentar envolvendo lideranças partidárias e figuras do baixo clero. Logo nos primeiros meses de 2003, o presidente entrou em campo pessoalmente para garantir a aprovação da reforma da previdência – a primeira grande pauta do governo petista. Ele promovia almoços no Planalto com os líderes dos partidos aliados e comandava reuniões reservadas com parlamentares de outros campos.
Na época, o gabinete presidencial ficava aberto aos parlamentares e Lula negociava diretamente os projetos de interesse do governo. Os deputados e prefeitos que visitavam o presidente saiam do Planalto com uma foto oficial do encontro, prática que ficou conhecida como "o serviço de santinhos" da Presidência. Hoje, Lula somente aparece em fotografias em eventos oficiais do governo e viagens internacionais.
Agora, nos primeiros três meses do atual governo, Lula tem evitado até mesmo encontros públicos com aliados tradicionais, como os dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), que ainda não foram recebidos por ele. Assim como no início do primeiro mandato de Lula, o MST tem feito ocupações no campo, mas o responsável pela mediação tem sido o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. No passado, o presidente negociou diretamente a desocupação das propriedades rurais e chegou a vestir um boné do MST.
Em fevereiro, Lula chefiou a primeira reunião ministerial de sua gestão e pediu aos subordinados que mantivessem abertas as portas para receber as demandas do Congresso. "Cada ministro tem que ter a grandeza de atender bem cada deputado, cada deputada, cada senador, cada senadora", cobrou o petista.
Nesses três meses de gestão, o presidente recebeu parlamentares apenas duas vezes em sua sala protegida no terceiro andar do Planalto. Em uma das ocasiões, no dia 28 de fevereiro, o presidente recebeu uma comitiva formada por cinco deputados petistas, dois do PSD, um do PCdoB, um do PDT, um do PSB e um do MDB. Na outra ocasião em que recebeu parlamentares, no dia 8 do mesmo mês, Lula se reuniu com dois deputados do seu próprio partido: Rui Falcão e Carlos Zarattini, que defendem no Congresso a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e alterar a redação do artigo 142 da Constituição, responsável pela organização das Forças Armadas.
Uma das poucas parlamentares com acesso constante ao gabinete de Lula, a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, se reuniu com ele sete vezes nesses três meses de gestão. O líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA), por sua vez, se encontrou apenas uma vez com o chefe no dia 28 de fevereiro. As lideranças do governo no Congresso têm reuniões periódicas com o presidente para alinhar as negociações com a base.
O distanciamento do presidente da política no varejo também é constatado em sua relação com prefeitos e governadores. Em passagem por Belo Horizonte durante a campanha eleitoral, Lula disse ao prefeito da cidade, Fuad Noman (PSD), que, apesar dos problemas do município, não poderia privilegiar as demandas locais. Ainda segundo Fuad em entrevista ao jornal <i>O Estado de Minas</i>, Lula disse que, se eleito, precisaria "avaliar cada caso" porque há muitas demandas de Estados e prefeituras.
"A versão Lula 3 está muito diferente das versões de mandatos anteriores e isso é muito perceptível, talvez pelo próprio desgaste da relação (com o Congresso), ou pela mudança da conjuntura da Câmara e do Senado", avaliou o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) em conversa com o <b>Estadão</b>. "Isso pode ter mudado o comportamento do presidente. Mas ele é um animal político e a política só se faz com diálogo. Por isso, um chamamento aos parlamentares seria interessante até para ele enxergar um pouco do sentimento das bancadas."
<b>O gabinete do vice-presidente</b>
Entre janeiro e março deste ano, Alckmin já se reuniu em seu gabinete na Vice-Presidência com 28 deputados e senadores de 11 partidos diferentes, dentre eles o PL e o PP, que se declararam, respectivamente, de oposição e independente ao governo. Ele recebeu de Lula a tarefa de manter contato constante com os parlamentares e construir pontes com os integrantes de partidos tradicionais do Centrão que hoje se declaram de oposição, como o PL, mas que podem votar em projetos do governo caso sejam contemplados pelo Planalto.
Entre os oposicionistas recebidos está o bolsonarista Zé Trovão (PL-SC), que chegou a ser preso por participação em atos antidemocráticos, mas esteve no dia sete deste mês em um encontro com Alckmin e Padilha.
No dia 17 de janeiro, Alckmin recebeu o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que foi líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara e se declara de oposição. O parlamentar foi um homem forte na gestão passada ao encampar a agenda do Planalto nas votações na Casa, contudo, tem um histórico de relação com as gestões petistas. Barros foi vice-líder do governo no segundo mandato de Lula e integrou a base da ex-presidente Dilma Rousseff.
O vice-presidente tem adotado a prática de reunir em seu gabinete parlamentares das mais variadas colorações ideológicas, indo de petistas, como o deputado Elói Pietá, ao ex-correligionário tucano Eduardo Cury (PSDB-SP). No dia 13 de fevereiro, o vice se encontrou com o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), que já declarou que o partido deve apoiar o governo, apesar de se declarar independente. O rol de partidos recebidos ainda contempla o PSD, PSB, União Brasil, Cidadania, Rede e Podemos.
Outro que bateu na porta de Alckmin foi o deputado David Soares (União Brasil-SP). Soares considera que o deslocamento de Lula das negociações cotidianas da política para as costuras dos grandes projetos está ligado à atual composição do Congresso. "O presidente está tentando fazer um governo em um ambiente político completamente diferente do que ele tinha antes", avaliou. "Ele está montando um mosaico com muitas peças, que pode estar tirando tempo dele para fazer a articulação política", ressaltou. "Acho que essa é a dificuldade dele."