O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarca na capital federal nesta terça-feira, 8, para conduzir uma agenda com as principais lideranças políticas do País e os chefes de Poderes antes de viajar para o seu primeiro compromisso internacional na cidade Sharm el-Sheikh, no Egito, que sedia a COP27 – conferência anual do clima da Organização das Nações Unidas (ONU). Antes disso, porém, o petista deve se reunir com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP- AL), e já discute a possibilidade de encontrar a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber. A magistrada define as pautas de julgamento centrais para a construção da governabilidade do novo governo, como as ações que pedem o fim do orçamento secreto.
O PT ainda não enviou um pedido formal de reunião ao Supremo, mas a ideia de Lula encontrar os chefes de Poderes já é dada como certa por integrantes da equipe de transição que consideram fundamental o presidente eleito reatar laços com o Legislativo e o Judiciário, que teriam sido esgarçados nos quatro anos de governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). A Suprema Corte presidida por Rosa foi um dos alvos dos ataques da militância bolsonarista nesse período.
Aliados e juristas do entorno de Lula defendem que o primeiro contato com Rosa deve se concentrar em resgatar o "relacionamento institucional" entre o Palácio do Planalto e o Supremo, antes de o novo presidente passar a fazer pedidos de organização da pauta de julgamentos para que os assuntos da Justiça não colidam com os interesses governo.
"Não tenho a menor dúvida da importância desse encontro. É voltar a ter respeito institucional. O principal é a relação institucional. O presidente Lula sempre pautou seus dois governos pelo respeito, não só ao Ministério Público, mas, especialmente, ao Poder Judiciário e ao Supremo Tribunal Federal", avaliou o advogado Antônio Carlos de Almeia Castro, o Kakay, que integra o grupo Prerrogativas, formado por juristas progressistas ligados a Lula. "Não tem pauta específica a ser tratada. O principal é o presidente Lula mostrar respeito à instituição. As pautas depois são tratadas caso a caso pelo advogado-geral da União", completou.
O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), que integra o governo de transição, afirma que a ida de Lula ao STF será uma "visita de cortesia" à chefe do Poder Judiciário. O núcleo petista tem evitado dizer se o presidente eleito abordará já na primeira conversa o julgamento do orçamento secreto.
Lideranças do Congresso têm pressionado o petista a manter o esquema construído pelo governo Bolsonaro, que garantiu ao relator do orçamento e aos presidentes da Câmara e do Senado poderes para ditar a destinação de bilhões de reais em emendas. Caso o Supremo julgue esse mecanismo inconstitucional, o novo governo do PT poderá construir uma nova lógica de governabilidade sem precisar entrar num embate com os parlamentares para cessar os repasses via orçamento secreto.
No Supremo, assessores com trânsito na Presidência afirmam que Rosa deve ouvir as demandas de Lula sem apresentar entraves de antemão. A avaliação na Corte é de que cabe ao presidente eleito apresentar suas preocupações com processos em tramitação em vez de Rosa expor o que pretende levar a julgamento no ano que vem. A ministra já indicou a pessoas de sua confiança que pode levar ao plenário, ainda este ano, as ações sobre o orçamento secreto, mas que antes disso é preciso dar tempo para "a política conversar" e chegar aos próprios entendimentos sobre o futuro desse mecanismo.
Além do orçamento secreto, Rosa manteve sob sua relatoria a ação que trata do marco temporal para demarcações de terras indígenas; pauta estratégica para o novo governo Lula Em setembro, Rosa prometeu a um grupo de indígenas que incluiria o julgamento desse caso no cronograma de votações do ano que vem. As discussões sobre o tema foram adiadas repetidas vezes durante a presidência de Luiz Fux por causa dos ataques de Bolsonaro e seus apoiadores à Corte. O presidente chegou a dizer que não cumpriria eventual decisão dos ministros que fosse contrária a existência do marco temporal.
O chamado marco temporal defende que os povos aldeados só podem ocupar as terras reconhecidas e demarcadas na data da aprovação da Constituição, em outubro de 1988. Coletivos e grupamentos indígenas apoiaram maciçamente a campanha do PT. Durante a campanha, Lula prometeu criar o Ministério dos Povos Originários, a ser ocupado por um índio, o que fará dessa votação no Supremo uma agenda importante do próximo governo.
Além disso, o tema é central para a nova política de desenvolvimento sustentável que Lula tenta construir, pois, uma vez reconhecida a existência do marco temporal, áreas hoje sob controle indígena passariam a ser geridas pela União e por entes privados, o que pode representar uma nova escalada do desmatamento e garimpo ilegal.
Outra pauta de que chama a atenção do PT no Supremo é a ação que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Esse tema causou desgaste a Lula durante a campanha eleitoral. O presidente eleito chegou a defender o procedimento como questão de saúde pública e autonomia das mulheres, mas teve de recuar após a repercussão negativa dos comentários. Com a pauta voltando ao debate público em julgamento no Supremo no ano que vem, é possível que o novo governo Lula sofra revezes de popularidade, ainda mais se o PT apoiar a medida, que é defendida historicamente por setores feministas do partido.