Quando tomar posse em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai negociar sua agenda com um Congresso em processo acelerado de concentração partidária. Para o PT, a menor fragmentação de legendas no Parlamento ajuda na cooptação de apoio e formação de maioria, contribuindo para a governabilidade.
O novo governo que assume em 1º de janeiro tem como desafio atender diversas promessas eleitorais que não cabem no Orçamento.
A reorganização partidária já teve efeito no primeiro turno da eleição, quando o número de partidos eleitos na Câmara caiu de 30 para 19. Coligações entre legendas não foram permitidas nas eleições proporcionais, reduzindo os efeitos dos chamados puxadores de voto nas siglas que participaram de federações.
A tendência é de que o número de partidos que podem pesar na balança no Congresso diminua ainda mais no próximo ano. Com o objetivo de ampliar o acesso a cargos estratégicos da Casa, aumentar o Fundo Partidário, valorizar o passe nas negociações com o Planalto ou driblar a cláusula de barreira – ou cláusula de desempenho -, caciques negociam uma onda de fusões ou federações partidárias. União Brasil, PP, PSDB, Cidadania, Podemos e MDB já discutem uniões.
Isso fez o indicador usado pela ciência política para medir o número de legendas com poder real de negociação no Parlamento, o Número de Partidos Efetivos (NPE), regredir aos índices de 2006 nesta eleição. Essa taxa mais que dobrou em 20 anos – foi de 7,1 em 1998 (seu ponto mais baixo) para 16,4 em 2018. Agora, segundo o Observatório do Legislativo Brasileiro, está próxima a 9,3.
Para o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), as fusões e federações facilitam o diálogo. "É muito mais fácil governar. FHC (Fernando Henrique Cardoso) governou com dois ou três grandes partidos, Lula com quatro e Dilma (Rousseff), que sofreu impeachment, com 28. A pulverização é péssima", disse Lopes ao <b>Estadão</b>.
Um dos coordenadores da campanha de Lula, o deputado Rui Falcão (SP) concorda. "A concentração partidária facilita a governabilidade, mas fusões e federações não são suficientes. É preciso promover uma reforma política com voto em lista. É uma anomalia eleger o presidente sem bancada correspondente", afirmou.
<b>Restrição</b>
A consolidação partidária acelerou mais que o previsto na cláusula de desempenho. Válida desde 2018, a regra pretendia reduzir a quantidade de siglas, já que partidos que não alcançam número mínimo de representantes na Câmara ficam sem acesso aos fundos Partidário e eleitoral.
O sarrafo da cláusula vai subir mais, até 2030. Na mesma reforma, foi definido que partidos podem criar federações para atuar de forma conjunta por quatro anos. A regra permite que siglas sobrevivam à redução da verba do fundo, mesmo com poucos deputados eleitos.
Especialistas ouvidos pelo <b>Estadão</b> afirmaram que essa consolidação partidária tem importância significativa para a governabilidade da gestão petista. O movimento deve facilitar as articulações do governo federal com o Congresso, que terá um colégio reduzido de líderes para determinar pautas.
Para o cientista político Júlio Canello, do Observatório do Legislativo Brasileiro, três vetores são determinantes para a governabilidade: o número de partidos com expressão, a polarização dentro deles e sua disciplina. "Se assumimos a premissa de que as bancadas são disciplinadas e os partidos conseguem cumprir acordos, dado um desenho de distribuição ideológica, um sistema partidário com menos partidos se torna mais governável."
Cientista político e diretor do Pulso Público, Vítor Oliveira destacou que este cenário faz com que a necessidade de formar coalizões caia substancialmente, o que não pressupõe que será fácil para o novo governo passar pautas estratégicas. "A capacidade de usar essas ferramentas (de governabilidade) depende da governança que vai ser produzida. Condições existem, mas elas estão sujeitas a interpretar o que os atores estão colocando na mesa", afirmou.
"Outro fator que também influencia na dificuldade de construir coalização é a diferença no espectro ideológico do presidente da República e os principais partidos da coalizão", completa a cientista política da FGV-SP Graziella Testa.
<b>Disputa interna</b>
Com a vitória legislativa do bolsonarismo neste ano, não só legendas pequenas passaram a considerar a atuação conjunta. O ponto de partida das negociações é a sucessão da presidência da Câmara. A vitória de Lula abriu espaço para a disputa pela vaga. O atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), já articula apoio do petista para sua reeleição.
Para fazer frente ao PL – sigla de Jair Bolsonaro -, que elegeu 99 deputados, União Brasil e PP chegaram a negociar uma fusão que reuniria 106 parlamentares e seria a maior força da Câmara. "Se já temos força com 60 deputados, imagine com 106. Para facilitar a governabilidade, é preciso que haja menos fragmentação", disse o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do União Brasil.
O dirigente ponderou, no entanto, que antes será necessário fazer uma mudança na lei dos partidos para permitir que uma nova fusão seja feita antes do prazo de cinco anos. Pela regra atual, o União Brasil, que nasceu da fusão do DEM com PSL, teria de esperar três anos e meio para uma nova incorporação. Alguns quadros do PP já entendem que a federação seria um caminho melhor que a fusão, já que Bivar e Lira cobiçam a presidência da Câmara.
Em busca de protagonismo no Congresso, PSDB, MDB, Cidadania e Podemos dialogam sobre uma fusão ou federação que reuniria 73 deputados. "Vejo dois caminhos para o PSDB: fusão com MDB ou fundir com PDT e PSB em um partido social-democrata de centro-esquerda", disse o ex-deputado Marcus Pestana, candidato derrotado do PSDB ao governo de Minas em 2022. Em entrevista ao <b>Estadão</b>, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também não descartou que os tucanos possam acatar uma fusão.
<b>Sobrevivência</b>
Partidos menores negociam fusão para driblar a cláusula de barreira. Das 16 legendas barradas este ano, sete elegeram deputados federais. Dessas, quatro negociam fusão: Patriota com PTB e PROS com Solidariedade.
O Novo não conseguiu superar a cláusula. Governador reeleito de Minas, Romeu Zema é a favor de uma fusão, mas a posição diverge da do presidente da sigla, Eduardo Ribeiro, que disse não estar nos planos do Novo qualquer discussão do tipo.
O Avante, que também elegeu menos deputados que o exigido, não definiu seu futuro. Na mesma situação, o PSC deve reunir dirigentes em breve para propor uma fusão.
<b>Para entender</b>
<b>CLÁUSULA DE BARREIRA</b>
Dispositivo restringe atuação do partido que não obter determinado porcentual de votos na eleição para a Câmara.
<b>REGRA</b>
Cada sigla tem de obter mínimo de 2% dos votos válidos ou eleger 11 deputados em ao menos um terço das unidades da Federação. Os que não conseguirem perdem acesso a recursos públicos e tempo de rádio e TV.
<b>PARTIDOS POLÍTICOS</b>
A meta é reduzir gradativamente o número de legendas no País. Atualmente, são 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas há outros 18 em processo ativo de formação. (Colaboraram Renata Leite e Pedro Pligher)