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Lygia Bojunga faz 90 anos e escritores falam sobre a autora de ‘A Bolsa Amarela

Lygia Bojunga faz nesta sexta-feira, dia 26, 90 anos. Nascida em 26 de agosto de 1932, em Pelotas (RS), ela é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira. Dona de uma obra lida sobretudo por muitas gerações de crianças e adolescentes, mas não só, reconhecida no Brasil e no mundo, ela tem ainda mais a comemorar em 2022. Há 50 anos, ela publicava Os Colegas, sua estreia. Há 40, ganhava o prestigioso Prêmio Hans Christian Andersen. Há 30 anos, lançava Paisagens. Há 20, abria sua editora e publicava Retratos de Carolina.

A convite do <b>Estadão</b>, escritores e editores falam sobre a escritora, sua obra e seu legado. Leia abaixo.

Há também um novo livro, sobre a escritora: Para Lygia Bojunga, A Mulher Que Mora nos Livros. Ana Letícia Leal, pesquisadora da obra de Lygia, mergulha em cada um de seus títulos e fala sobre eles – se dirigindo à própria autora. Ela resgata o enredo deles, fala sobre a repercussão, pinça trechos de entrevistas e fala sobre as traduções ao mesmo tempo que analisa a obra e a contextualiza na trajetória da autora. O livro, uma adaptação de sua tese de doutorado, acaba de ser publicado pela editora Rebuliço.

<b>Trajetória</b>

Lygia Bojunga começou sua carreira como atriz, escreveu para o rádio e para a televisão e passou a se dedicar à literatura nos anos 1970. Estreou como escritora com Os Colegas, em 1972. É a história de dois cachorros solitários que se encontram e logo se identificam: os dois adoram o samba. Depois veio Angélica, em 1975. Angélica é o nome da peça que os personagens do livro criam a partir de seus questionamentos como "Quando você não quer mais ser o que você é – dá pra mudar de pele?" o "Quando você não se conforma com o jeito que a sua família vive – dá pra mudar o jeito?".

A Bolsa Amarela foi seu terceiro livro. Lançado em 1976, é um de seus livros mais conhecidos, lidos e traduzidos. Ele conta a história de uma menina, Raquel, que gostava de inventar histórias, mas que era motivo de piada na família. Um dia, uma bolsa velha rejeitada por todos acabou em suas mãos e ela encontrou ali um lugar e um refúgio. Foi na bolsa que ela escondeu três vontades reprimidas: crescer, escrever e ter nascido menino. Entre realidade e fantasia, e na companhia da bolsa, ela empreende uma jornada de afirmação

Foram 23 livros desde sua estreia, iniciada durante a ditadura militar. Neles, Lygia não evitou temas difíceis, como o suicídio, a violência e o abandono, além de crises existenciais. Tchau é seu único livro de contos. E muitos dos seus títulos não são para crianças, mas, sim, para jovens leitores e adultos. Sua obra é traduzida para diversos idiomas e já ganhou adaptações, especialmente para o teatro.

<b>Prêmios</b>

Lygia Bojunga tinha apenas seis livros publicados (Os Colegas, Angélica, A Bolsa Amarela, A Casa da Madrinha, Corda Bamba e O Sofá Estampado) quando ganhou o maior prêmio dedicado a um autor de livros para a infância. Em 1982, ela se tornou não só a primeira autora brasileira a ganhar a medalha Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil, como foi a primeira escritora fora do eixo Europa-Estados Unidos premiada. Quase duas décadas depois, a escritora Ana Maria Machado, em 2000, e o ilustrador Roger Mello, em 2014, foram agraciados.

Anos depois, em 2004, ela ganhou o Astrid Lindgren Memorial Award – em valor, a maior premiação para um autor do gênero: 5 milhões de coroas suecas, algo como US$ 640 mil na época. O prêmio tinha sido criado no ano anterior e os primeiros premiados foram Christine Nöstlinger e Maurice Sendak, autor de Onde Vivem os Monstros. Até hoje, ela foi a única brasileira premiada.

Pouco depois de ganhar o prêmio, Lygia criou, em 2006, a Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga. A ideia é desenvolver e apoiar projetos ligados ao livro e ao meio ambiente – a maioria, no Sítio Boa Liga, na região serrana do Rio. Tudo isso é feito com o dinheiro do prêmio.

<b>Escritores e editores prestam homenagem</b>

<i>Ana Maria Machado, escritora</i>

"Na década de 1980, o mundo do livro infantojuvenil tomou conhecimento de que o Brasil produzia obras em que a qualidade literária se impõe, mais importante do que a intenção pedagógica ou a conquista de mercado a qualquer preço. Com originalidade e sem tatibitate, confiante na inteligência do pequeno leitor. O merecido reconhecimento internacional que o prêmio Andersen trouxe à obra de Lygia Bojunga é um marco desse momento, em que pela primeira vez um escritor do hemisfério sul teve essa consagração."

<i>Marina Colasanti, escritora</i>

"Parabéns pelo seu aniversário, Lygia querida, não é pra qualquer um completar 90 anos de vida!!! E parabéns pelo conjunto dos seus livros, obra excepcional e exemplo para todos nós."

<i>Paulo Verano, editor e sócio das Edições Barbatana</i>

"A celebração dos 90 anos de Lygia Bojunga é muito importante. Penso que sua personagem Raquel, do grande clássico A Bolsa Amarela, está entre as grandes personagens, senão a grande personagem da literatura brasileira endereçada a crianças questionadoras de todas as idades, compondo com a Emília de Lobato. Uma obra toda muito transgressora e atual, basta lembrar que já em 1976 a menina Raquel pensava em virar gente grande, menino ou escritora para ter mais voz. A obra segue combatida por isso hoje em dia, por causa do momento conservador que passamos, o que reforça a sua relevância crescente. Ao mesmo tempo, as meninas e os meninos vêm mais e mais podendo falar com voz própria, e do jeito que querem, e isso muito graças a Raquel e a Lygia Bojunga. É um presente para nós todos o seu aniversário e a sua longevidade. Para além da sua escrita forte, me surpreende sempre, como editor, o cuidado de Lygia com a sua própria obra, criando a Casa Lygia Bojunga em 2002, alcançando independência editorial quando ninguém pensava muito nisso."

<i>Stella Maris Rezende, escritora</i>

"Por várias vezes eu estive com a Lygia, a mulher que mora nos livros. Mas houve uma tarde que me tocou sobremaneira. Foi na década de 1990, em Brasília, no Teatro Galpão. Ela e eu estávamos nos bastidores, aguardando a vez de nos apresentarmos a um público de professores, mediadores de leitura e estudantes. Eu iria antes dela e estava muito ansiosa. Leria um texto que escrevi sobre literatura, leitura, liberdade, ética e dignidade. Ela se apresentaria em seguida, com a maravilhosa interpretação do monólogo: Livro – Um encontro com Lygia Bojunga Nunes, uma declaração de amor aos livros. Por me sentir muito tensa, eu bebia água sem parar. E ia ao banheiro repetidas vezes. Com amorosidade, a Lygia me disse: pare de tomar tanta água, senão você vai ter vontade de fazer xixi durante a sua apresentação. Ela e eu rimos de um possível vexame. Respirei fundo, agradeci, me senti mais tranquila e fiquei observando-a em sua concentração de atriz. Foi lindo e memorável estar com a Lygia nos bastidores, ouvi-la, rir com ela e observá-la, para depois vê-la no palco, exuberante, dizendo lindezas tais como: "Eu tinha ido sozinha, mas saí tão… de mãos dadas com Fernando Pessoa. E tão encantada de ver a outra cara bonita que o Livro me mostrou naquela noite: a cara da paciência. Ele espera pela gente. Feito coisa que ele sabe que o caso com a nossa imaginação vai ser tão mágico, tão sem limite que vale a pena mesmo esperar". Em minha oficina Letras Mágicas, leio trechos de livros com os quais eu tive um caso de amor. E conto para os alunos alguns casos de amor da Lygia: Monteiro Lobato, Fernando Pessoa, Clarice Lispector e Cecília Meirelles. "

<i>Ilan Brenman, escritor</i>

"Quando me convidaram para falar da grande Lygia Bojunga, respondi que infelizmente não tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente, mas, ao mesmo tempo, conhecia bem os seus livros. Portanto, posso falar, assim como milhões de seus leitores, que a conheço de melhor forma possível, que é através da sua potente e marcante literatura. Ela deveria fazer parte da cesta básica literária nacional de crianças, jovens e adultos, sim, adultos, uma literatura de qualidade nunca tem limite de faixa etária! Somente o fato de Lygia ter sido a primeira autora fora da Europa e dos Estados Unidos a ter recebido o prêmio Hans Christian Andersen em 1982, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil, deveria ser motivo para ela estar panteão dos nossos grandes autores. Porém, um autor não se faz somente por prêmios e sim por sua obra, e Lygia marcou seus leitores com clássicos como: A Bolsa Amarela, Os Colegas, Corda Bamba, 6 vezes Lucas, O Abraço e tantas outras histórias que nos fazem mergulhar num universo imaginativo riquíssimo e carregado de sentimentos aparentemente distantes, mas que na verdade estão alojados dentro do coração e da mente de cada leitor. Parabéns pelos 90 anos e obrigado por sua maravilhosa obra literária."

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