Mundo das Palavras

MÃE-CANTORA E FILHO-CANGURU

Confira a coluna semanal Mundo das Palavras, assinada pelo jornalista e professor doutor Oswaldo Coimbra

“É triste ter sido jovem e não ter tentado mudar o mundo”, dizia o poeta negro cubano Nicolás Guillén. A frase turbinava o já intenso sentimento de rebeldia que empurrava a juventude dos anos de 1960 no rumo da contestação a todo tipo de poder autoritário instituído em qualquer recanto da vida social: no Estado, na Escola, na Religião, na Família, entre outros. Esta ânsia por liberdade, no Brasil oprimido por uma Ditadura Militar, empurrou os jovens à luta armada clandestina e à marginalização social, consciente e voluntariamente assumida entre hippies. Outro caminho, mais trágico, para quem recusou a submissão ao autoritarismo, foi tomado, por exemplo, pelo poeta de 28 anos de idade, Torquato Neto, pertencente ao grupo anarco-tropicalista de Caetano Veloso. O suicídio.

            A mão pesada dos agentes da ditadura atingiu os jovens rebeldes, sobretudo nos Anos de Chumbo da década de 70. Mas foi nesta década que o grupo Novos Baianos, formado por cantores, compositores e músicos oriundos de Salvador, como Caetano, inseriram numa canção este conselho dirigido a cada companheiro de geração deles: “Caia na estrada”.            Cair na estrada significava para estes jovens se expor às experiências de um cotidiano livre e errante. Numa renúncia prazerosa à proteção dos pais. A decisão continha um protesto contra a repressão comportamental existente também no âmbito do lar, herdada do passado e exercida com surras e outros tipos de violência física contra os filhos.  

            Era, sobretudo, à classe média urbana que aqueles jovens de 1960 pertenciam. Décadas depois, eles admitiriam: não conseguiram mudar o mundo drasticamente como pretenderam. Mas, pelo menos, algo eles conseguiram: aboliram dos lares brasileiros da sua classe social as agressões físicas usadas antes sob o pretexto de educar as crianças. Dentro do relacionamento mais tolerante que adotaram com seus filhos, aqueles jovens, como pais, se tornaram igualmente menos repressivos em relação à sexualidade.

            O atestado definitivo deste avanço observado no âmbito doméstico da sociedade brasileira está no aparecimento de uma figura, antes inexistente, a do filho-canguru, aquele que retarda ao máximo o abandono do seu lar original. Com ele o sonho juvenil de vida errante ficou enterrado no passado do país.

            Isto, porém, teve uma consequência curiosa e inesperada. As novas mães, com acesso à Educação Superior e ao mercado de trabalho, não sofrem mais agruras como as das antigas “rainha do lar”. Não tem tempo, tampouco necessidade, de descarregar o peso de sofrimentos íntimos, através de agressões aos filhos. Ou do canto doméstico discreto e muito emocionado, como ocorria antes.

            Assim, as mães cantoras deram lugar aos “filhos-cangurus”, nos lares brasileiros. Mas o canto delas continuou sendo lembrado e festejado por alguns ex-jovens rebeldes. O líder do anarco-tropicalismo Caetano Veloso, aos 30 anos de idade, por exemplo, revelou, numa entrevista concedida à revista Bondinho, em 1972: “Minha mãe canta muito bem, sabe muitas músicas, e me ensinou e me despertou o interesse por coisas que tinham sido famosas mesmo antes de eu nascer”. 

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