Aos 72 anos de idade, Roberto Carlos desfruta em sua carreira de êxito e longevidade jamais obtidos por outro artista popular brasileiro. Mas, quando sua carreira teve início, em Cachoeira de Itapemirim, no Espírito Santo, era o cantor Francisco Alves quem as jovens brasileiras idolatravam. As canções dele invadiam as residências do país, através das transmissões radiofônicas que, já naquela época, alcançavam grandes penetração e audiência no Brasil.
No segundo ano de vida do futuro Rei da Juventude, a música “Amélia”, gravada por Ataulfo Alves, começou a ser tocada nas rádios. Composta pelo ator e escritor Mário Lago, ela exprimia em sua letra a situação de completa sujeição aos homens, na época imposta às mulheres. Amélia, a “mulher de verdade”, “não tinha a menor vaidade”. Prossegue o narrador: “Passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer. E quando me via contrariado, dizia: – Meu filho, que se há de fazer”.
Aos seis anos de idade, Roberto sofreu o acidente em que perdeu sua canela e seu pé direitos. “Amélia” entrava em seu quarto ano de sucesso. Aquele episódio trágico deu início a uma série de infortúnios que atingiriam o cantor, enquanto sua carreira se consolidava e se expandia. Roberto ainda enfrentaria, nas décadas seguintes, a quase cegueira de um de seus filhos, as mortes da sua primeira mulher e da filha dela, a morte de uma ex-colega, a médica Maria Rita, com quem se casara e vivera apaixonadamente, a depressão provocada pela perda dela, e, por fim, em consequência direta disto tudo, sua doença psicológica, da qual decorrem manias obsessivas e superstições exageradas.
Contudo, este histórico de mazelas se apaga da mente de Roberto quando ele canta. Como revelou em entrevista, ele se sente como se tivesse acabado de esquiar na Suíça, ao encerrar uma apresentação.
Do mesmo modo que Roberto, também muitas brasileiras da mesma faixa etária dele, tiveram motivos para se sentirem oprimidas intimamente. Elas foram enclausuradas em seus lares, desde meninas, não tiveram acesso à Educação Superior, e, dependeram de homens para ter comida, roupa, moradia e status social. No inicio, seus pais, mais tarde, os maridos. Forçadas, se tornaram Amélias.
Para elas, como para Roberto Carlos, a possibilidade de cantar se transformou numa porta de acesso a um mundo de liberdade e fantasias. Então, cantavam baixinho “Mensagem”, gravada por Isaurinha Garcia: “Quando o carteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão, ante surpresa tão rude, nem sei como pude chegar ao portão”. Em quem pensariam? Só elas sabiam.
O certo é que cantavam calorosamente. Esta e muitas outras canções. E a beleza e a intensidade do canto delas impregnaram os espíritos dos seus filhos com um gosto duradouro pela música.
Hoje, as mães ainda cantam em casa?