Caso se confirme o naufrágio do navio MV Stellar Banner e seus potenciais danos ambientais, a Vale terá seu nome vinculado a um desastre pela terceira vez em menos de cinco anos. O episódio agrava a crise reputacional iniciada com o rompimento da barragem da Samarco – sociedade com a BHP -, em novembro de 2015. No auge do episódio que contaminou o Rio Doce, a Vale se declarou "mera acionista" da empresa. Quando parecia impossível piorar, veio a tragédia de Brumadinho, que deixou 270 mortos e novo rastro de lama em Minas Gerais, em janeiro do ano passado.
O desastres têm reflexos na relação da companhia com uma série de atores: sociedade, órgãos ambientais, governo, investidores. A empresa enfrenta protestos de organizações da sociedade civil e é ré por crime ambiental. Do lado financeiro, a Vale registrou só em relação a Brumadinho despesas e provisões no total de R$ 28,8 bilhões, mas já admite reservar até R$ 8 bilhões em compensação adicional à sociedade e ao meio ambiente, caso as autoridades se comprometam a dar fim às ações civis públicas existentes contra a companhia.
O colapso da Barragem I da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, foi o gatilho para investidores estrangeiros pressionarem mineradoras por maior transparência e segurança. A Vale entrou na lista negra de gestores estrangeiros que se desfizeram de títulos e ações da companhia.
Capitaneado pelo fundo de pensão The Church of England, um grupo de 110 investidores com mais de US$ 14 trilhões sob gestão questionou 727 mineradoras sobre suas barragens. O fundo britânico e a gestora holandesa Robeco dizem que por enquanto não está nos planos voltar a investir na Vale.
O naufrágio de um navio de 340 metros de comprimento, capaz de transportar 300,6 mil toneladas de minério de ferro e cerca de 4 milhões de litros de óleo combustível, não vai ajudar a melhorar a imagem junto a esses investidores.
De acordo com fontes do Ibama ouvidas pelo Estado, o óleo que vaza do navio já se espalha por quase um quilômetro de raio em volta da embarcação. A sul-coreana Polaris Shipping, dona do navio, acredita que se trate de óleo do convés, não de vazamento do tanque de combustível. Questionada pela reportagem, a Vale não quis comentar se o episódio com o supernavio pode manchar ainda mais sua imagem.
A Vale afirma que tem empenhado todos os esforços e recursos para mitigar os possíveis impactos causados pelo incidente com o navio MV Stellar Banner. Entre as medidas de apoio técnico e logístico adotadas em conjunto com autoridades, a empresa destaca que pediu à Petrobras a cessão de navios Oil Spill Recovery Vessel (OSRV) para contenção de eventual vazamento de óleo, que devem chegar neste sábado, 29, ao local do acidente.
A mineradora diz ainda que forneceu helicópteros, contratou especialistas em salvatagem para acelerar o plano de retirada do óleo da embarcação e solicitou barreiras de contenção adequadas para mar aberto, se necessário.
<b>Responsabilidades</b>
A responsabilidade da Vale no caso dependerá, em parte, da apuração sobre as causas do acidente. Um especialista em direito ambiental ouvido pelo jornal <b>O Estado de S. Paulo </b>explica que a política nacional de meio ambiente separa as responsabilidades em três esferas: cível, administrativa e criminal.
No caso uma reparação cível, o Ministério Público poderia acionar tanto o poluidor direto (dono do navio) quanto o indireto (proprietário da mercadoria). Aqui a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa pelo acidente. Já em âmbito administrativo, isto é, uma multa aplicada pela autoridade ambiental, a interpretação mais comum é que a punição recai sobre o culpado pelo acidente, disse um especialista em direito ambiental que preferiu não ser identificado. Na esfera criminal é indispensável que haja dolo ou culpa.
Segundo a advogada Camila Mendes Vianna, em geral o armador, no caso a Polaris, é o responsável pela qualidade e a navegabilidade do navio. A praxe é que a dona do navio tenha um seguro para cobrir danos ao casco da embarcação – que nesse caso sofreu uma avaria na proa – e faça parte de um Clube de P&I (Clube de Proteção e Indenização), associações mútuas de seguros entre armadores.
A sócia do Kincaid Mendes Vianna Advogados lembra que cada contrato de afretamento tem suas especificidades. Além disso, o laudo sobre as causas do acidente pode abrir espaço para a discussão futura de responsabilidades entre as seguradoras. "Se havia um navio naufragado que rasgou o casco, mas ele não estava na carta náutica, não é culpa de quem levava o navio. Se foi um problema estrutural que rachou o casco, é defeito de construção. A causa vai determinar a divisão de responsabilidade entre as partes", diz.
Segundo uma fonte do setor de mineração, a maior perda da Vale no caso do Stellar Banner é institucional, não financeira. Em um cálculo superficial ela estima que o custo da perda do navio seria de R$ 200 milhões para o armador. Já a carga de minério significaria cerca de R$ 120 milhões na conta da Vale. "É muito cedo para fazer uma previsão sem saber a extensão do dano no navio. Pior para Vale teria sido o navio encalhar no porto ou no canal de navegação, porque aí teria que parar toda sua operação até desobstruir", explica.
O analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, diz que a companhia vem reforçando ao mercado sua preocupação com as questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) e seu objetivo de reparar integralmente Brumadinho e que o naufrágio vai de encontro a essa estratégia. "Importante notarmos que o navio não é da Vale e sua operação é terceirizada. Mas sem dúvida, o estrago ambiental que o acidente pode causar é um desdobramento pelo qual a Vale não gostaria de ter que, tão logo, contornar", diz.
Pedro Galdi, da Mirae Asset, lembra que a operação do Terminal Marítimo Ponta da Madeira, de onde partiu o navio, segue em normalidade, sem impacto nos embarques. Com o navio encalhado, a Vale estuda as estratégias para sua reposição, ou com os reparos necessários na proa, ou retirando parcela da carga para reposição em outro navio.
"Acreditamos que a Vale fará o possível para não participar, de alguma forma, de um novo acidente ambiental. Caso isso aconteça, o risco maior corre por conta da imagem da empresa, não como causadora, mas por ter sido participante indireta", avalia Galdi, que mantém recomendação de compra da ação da companhia.