Mais de 20% dos municípios com população superior a 80 mil habitantes já ultrapassavam ao menos o limite de alerta de gasto total com pessoal, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), no fim de 2019, segundo dados do Tesouro Nacional compilados pelo Centro de Liderança Pública (CLP) no Ranking de Competitividade dos Municípios. Esse quadro é de responsabilidade praticamente total das prefeituras, pois apenas um caso envolvia estouro com o funcionalismo de Câmara de Vereadores. No Executivo municipal, 43,65% dos entes já adentrava uma zona de perigo, incluindo seis capitais. A parcial de 2020 indica melhora, com queda do porcentual de prefeituras que excedia ao menos esse primeiro limite a 36,04%, mas nem todos os entes disponibilizaram informações.
A LRF estabelece que a despesa total com pessoal da máquina pública de Estados e municípios não pode ultrapassar 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) a cada período de apuração. Mas a lei também define outros dois limites, o de alerta (54% da RCL) e o prudencial (57% da RCL), que, quando superados, indicam uma trajetória "perigosa" de gastos, pontua o assessor técnico do CLP, Pedro Trippi.
O objetivo é justamente chamar atenção antes de "explodir", acrescenta o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Felipe Salto. Quando o ente atinge o primeiro limite de despesa com o funcionalismo, o Tribunal de Contas competente deve emitir um alerta, enquanto o segundo marco já exige uma série de medidas de contenção fiscal, como em concessão de reajustes, criação de cargos, contratação de hora extra e de pessoal, excluindo situações específicas.
Segundo o levantamento do CLP, no recorte de municípios com mais de 80 mil habitantes, 91 já estavam ao menos acima do limite de alerta de gasto com pessoal no fim de 2019, ou 22,47% de um total de 405. Destes 39 superavam o prudencial (9,63%) e 25 tinham gasto maior que o teto máximo (6,17%). Nas capitais, o Rio de Janeiro tinha despesa total com o funcionalismo de 57,28% da RCL no fim de 2019, acima do limite prudencial, e Macapá superava o de alerta (54,86%).
"A situação dos municípios não é tão ruim quanto a dos Estados, mas 91 municípios já merecem atenção", destaca Trippi, mencionando que, embora ainda sejam poucas as cidades que descumprem a LRF, o porcentual na "zona de perigo" já é significativo.
Os dados mostram ainda uma relevante disparidade regional, com a fatia de municípios das regiões Nordeste e Norte que já ultrapassava ao menos o porcentual de alerta de despesa com pessoal no fim de 2019 maior que a nacional, com 50% e 42,11% das cidades, respectivamente. A equipe do CLP ainda faz um novo alerta para os problemas de gestão fiscal do Estado do Rio de Janeiro, pois municípios grandes, como Cabo Frio, Campos dos Goytacazes, Magé e São João de Meriti não enviaram informações ao Tesouro.
"O fiscal é a premissa básica para que um mandato tenha sucesso, é preciso arrumar a casa para que, em quatro anos, se consiga ter fôlego para fazer políticas públicas razoáveis", argumenta Tadeu de Barros, diretor de Operações do CLP, destacando o objetivo de divulgação do ranking nesses primeiros cem dias de mandato dos novos prefeitos, para auxiliar a identificar problemas e traçar soluções.
<b>Prefeituras</b>
Os dados por Poder mostram que o quadro de atenção na despesa com pessoal nas cidades deve-se basicamente às prefeituras. Além do limite global, a LRF também determina o cumprimento de porcentuais de gasto com pessoal por poderes. No caso dos municípios, o teto para o Executivo é de 54% da RCL e, para o Legislativo, de 6% da RCL.
Em 2019, a despesa com pessoal de 47 prefeituras de cidades com mais de 80 mil habitantes estava acima do teto, ou 11,93% do total de 394, mas 172 – ou 43,65% – já tinham ultrapassado ao menos o limite de alerta, que é de 48,6% da RCL – com 42 além do prudencial (51,30%), segundo os dados do Tesouro.
Por outro lado, somente a Câmara de Ubatuba (SP) estava na "zona perigosa" no fim de 2019, aliás muito acima do teto, com o gasto com pessoal representando 34,14% da RCL. O município também era o "campeão" da despesa total da administração pública no período (85,66%).
<b>2020</b>
A verificação dos limites ocorre quadrimestralmente. O relatório do fim de 2020 ainda não foi publicado pelo Tesouro, até porque os entes tinham até o dia 30 de janeiro para entregar as informações. Ao término do segundo quadrimestre, em agosto, o número de prefeituras de cidades com mais de 80 mil habitantes que superava ao menos o limite de alerta havia caído para 142 (ou 36,04% do total), porém alguns entes ainda não tinham enviado as informações ao Tesouro.
Em relação ao Legislativo municipal, a Câmara de Ubatuba deixou a lista de descumprimento da LRF no segundo quadrimestre de 2020, enquanto entraram Coari (27,48% da RCL), no Amazonas, e Ferraz de Vasconcelos (46,54% da RCL), em São Paulo.
Quando considerados todos os municípios do Brasil, o quadro é ainda mais delicado, com excessos concentrados nas localidades abaixo de 50 mil habitantes. Em meados de 2020, 912 prefeituras tinham gasto com pessoal acima do limite máximo, de um total 5.159 que enviaram os dados.
Quando um ente ultrapassa o limite global, descumprindo a LRF, tem o prazo de dois quadrimestres para regularizar a situação, sendo que ao menos um terço do excedente precisa ser eliminado nos primeiros quatro meses. Caso contrário, fica sem receber verbas voluntárias da União, garantias de outros entes e tem a contração de operações de crédito limitada, até cortar o excesso. No segundo quadrimestre de 2020, das 47 prefeituras que superavam o limite máximo de gasto com pessoal no fim de 2019, 63,8% continuavam nessa situação.
A decretação do estado de calamidade pública diante da pandemia de covid-19 suspendeu esses prazos e restrições até o fim de 2020. E a aprovação da lei da nova renegociação de dívida dos Estados e municípios permitiu que o Poder ou órgão que descumprir o limite total de despesa com pessoal ao fim de 2021 pode eliminar o excesso até 2032, 10% a cada exercício a partir de 2023, em função do contexto fiscal da crise atual.
Por outro lado, espera-se que essa nova legislação possibilite a redução de diferenças de interpretação na contabilidade de gasto de pessoal introduzida pelos Tribunais de Contas em relação às regras estabelecidas pelo Tesouro. Se forem observadas suas regras, o Tesouro avalia que a quantidade de municípios extrapolando os limites provavelmente seria maior.
<b>Capitais</b>
Nas capitais, apenas a prefeitura do Rio superava o teto em 2019, permanecendo nessa posição até o segundo quadrimestre de 2020, com aumento do gasto com pessoal de 54,32% para 54,85% entre os dois períodos. Macapá era única acima do limite prudencial no fim de 2019, com porcentual de 52,42%, mas que, no segundo quadrimestre de 2020, caiu para 50,35%.
São Luís, Campo Grande, Cuiabá, Porto Velho estavam na faixa de alerta no fechamento do ano retrasado. Destes, a capital do Maranhão e do Mato Grosso deixaram a "zona perigosa".
Porto Velho, por outro lado, pulou para o limite prudencial enquanto Palmas e Florianópolis entraram na faixa de alerta no segundo quadrimestre de 2020.