Um ano após milhares de pessoas saírem às ruas de Cuba, no maior protesto no país desde a Revolução de 1959, mais de 700 permanecem presas, segundo levantamento da Human Rights Watch (HRW). A entidade americana de defesa dos direitos humanos acusa o governo de Cuba de perseguir e punir os manifestantes com prisões arbitrárias, processos abusivos e tortura para intimidar a população e evitar a realização de novos protestos.
Desde as manifestações em massa em várias cidades de Cuba, contra a escassez de alimentos e itens básicos, em meio a uma crise social agravada pela pandemia, 1,8 mil pessoas foram presas, a maioria por um curto período. Mas em grande parte dos casos documentados, as pessoas detidas foram mantidas incomunicáveis por semanas e até meses, sem poder telefonar ou receber visitas de parentes ou advogados. Muitas foram espancadas, submetidas a maus-tratos como privação de sono e outros abusos. A HRW disse que alguns casos se considera que houve tortura.
<b>Tribunais militares</b>
Mais de 380 pessoas, incluindo adolescentes, foram processados em tribunais militares e condenados a penas de até 25 anos de prisão, segundo o relatório. Um caso notório é o julgamento do artista Luis Manuel Otero Alcántara e do rapper Maykel Osorbo, condenados a 5 e 9 anos de prisão, respectivamente. Segundo a Procuradoria-Geral, os dois foram sentenciados por "crimes de ultraje aos símbolos da pátria, desacato e desordens públicas".
Desde os protestos, ativistas e alguns manifestantes são sistematicamente vigiados, questionados sobre o que estão fazendo na rua ou são impedidos de sair de casa. "Tenho dois carros de polícia estacionados diante da minha casa todos os dias. Eu e meu marido podemos ser presos se sairmos. Eu não posso visitar a minha irmã em uma cidade vizinha sem ser questionada ou perseguida", conta ao <b>Estadão</b> Berta Soler, a líder das Damas de Branco, grupo cubano de mães e mulheres de presos políticos.
<b>Damas de branco</b>
Berta, uma das opositoras do regime mais conhecidas internacionalmente, afirma que foi presa diversas vezes em Cuba após o 11 de Julho. Aos domingos, ela sai às ruas de Havana vestida de branco, com outras mulheres, para denunciar as prisões políticas e muitas vezes acaba detida. "Eles me prendem e eu nunca sei quando vou sair. Às vezes dura um ou dois dias, às vezes mais", diz a ativista, que o governo cubano acusa de ser uma "funcionária a serviço dos EUA".
Três outras integrantes das Damas de Branco foram condenadas à prisão por terem participado dos protestos do ano passado. Sissi Abascal Zamora e Tania Hechevarria Menéndez receberam pena de 6 anos de prisão e Sayli Navarro Álvarez, 7 anos.
Segundo a HRW, alguns manifestantes e opositores do governo acabaram deixando o país após sofrer intimidação. Um caso registrado no relatório é o de Orelvys Cabrera Sotolongo, jornalista de 36 anos do site de notícias Cubanet. Ele foi preso em Cárdenas, Província de Matanzas, ao sair do protesto. Policiais o interrogaram repetidamente, dizendo que ele não voltaria a ver a família, e só o autorizaram a fazer um telefonema no décimo dia de prisão. Cabrera foi solto em 19 de agosto, mas foi intimidado pelos policiais a deixar o país. Ele pediu asilo aos EUA.
<b>Repressão</b>
A perseguição política, promovida pelo governo de Miguel Díaz-Canel, dá sequência às práticas dos mandatos de Fidel e Raúl Castro, avaliam ao <b>Estadão</b> Berta Soler e Juan Pappier, investigador sênior da HRW e responsável pelos assuntos relacionados a Cuba. "O governo cubano usa a mesma velha cartilha de repressão. Mas, em reação aos protestos, aplicou esses métodos em massa e a toda velocidade", declarou Pappier.
Berta conta, por exemplo, que um destes métodos é aplicar multas impagáveis para os manifestantes e depois prendê-los sob a acusação de não terem pago a multa. Isso atinge não somente os opositores conhecidos, mas manifestantes que foram às ruas por demandas básicas de melhoria de vida, em um volume nunca visto em Cuba. O país, cuja economia já era afetada pelo embargo dos EUA, viu a situação se deteriorar ainda mais na pandemia. O turismo, principal setor econômico da ilha, permaneceu fechado por quase dois anos.
<b>Número de presos políticos é o maior desde década de 1990</b>
A dura resposta do governo aos protestos do 11 de Julho levou Cuba a ter o maior número de presos políticos desde a década de 90. Segundo a Human Rights Watch, cerca de mil pessoas estão atualmente detidas por discordar do governo. Outro fenômeno agravado pelos protestos e a crise econômica é a migração: de janeiro a maio, 118 mil cubanos foram detidos nos EUA. No mesmo período de 2021, 17 mil detenções tinham sido feitas pela patrulha de fronteira americana.
Além disso, a Guarda Costeira dos EUA interditou mais de 2,9 mil cubanos no mar desde outubro. "De longe o número mais alto em cinco anos", destaca a HRW. Cubanos também foram para outros países.
Segundo relatos e análises, Cuba continua com escassez de alimentos, remédios e itens básicos. A crise pode ser estopim para novos protestos. Segundo Berta Soler, algumas entidades convocaram a população para ir às ruas nesta semana, relembrando a agenda política do 11 de Julho.
<b>Alerta</b>
"Os protestos de 2021 foram um grito contra a falta de direitos, de alimentos, de água. Sabemos que pode haver novas manifestações, pois os motivos permanecem aí", declarou a ativista. Ela afirma que o governo cubano se preocupa em frustrar essas novas manifestações por meio da intimidação dos que participaram do 11 de Julho. O governo de Cuba se defende e afirma que as pessoas consideradas presos políticos por entidades de direitos humanos internacionais são "espiões, terroristas ou delinquentes comuns". Eles também são citados como "funcionários a serviço dos EUA".
Segundo a HRW, em maio, deputados cubanos aprovaram um novo código penal com várias infrações amplas, que podem ser usadas para criminalizar a oposição pacífica ao governo, diz a HRW. O novo código também prevê a pena de morte para uma série de crimes, incluindo "sedição" – do qual muitos manifestantes do 11 de Julho foram acusados – e "atos contra a independência do Estado cubano".
Juan Pappier, do HRW, defende que os governos latino-americanos, os EUA, o Canadá e a União Europeia deveriam tomar medidas para garantir uma abordagem multilateral e coordenada em relação a Cuba, com prioridade nos direitos humanos. "Os corajosos manifestantes que saíram às ruas em Cuba no ano passado têm todos os motivos para sentir que foram abandonados por grande parte da comunidade internacional."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>