A espada original de Conan, o Bárbaro. O hobbit valente de O Senhor dos Anéis. O criador das figuras de Avatar. Cosplayers e nerds, geeks e fãs de todos os quadrantes. Cerca de 80 mil pessoas, desta quinta-feira, 4, a domingo, verão na Comic Con Experience (no São Paulo Expo Exhibition & Convention Center, no km 1,5 da Rodovia dos Imigrantes) alguns dos artífices dos maiores sucessos contemporâneos dos quadrinhos, do cinema e das séries de TV.
Do criador das criaturas de Avatar, Neville Page, ao pândego Sr. Barriga, da série mexicana Chaves, passando por pioneiros dos quadrinhos, como Don Rosa (o segundo maior desenhista do Tio Patinhas, depois de Carl Barks), e da literatura sci-fi, como o autor Timothy Zahn (que vendeu 20 milhões de livros da saga Star Wars). Pré-estreias, tardes de autógrafos, lançamentos infindáveis de gibis. A Comic Con Experience é inspirada na Comic Con de San Diego, na Califórnia, a maior feira do tipo no mundo, existente desde 1970.
Uma dessas figuras notáveis é o quadrinista americano Klaus Janson, que foi, ao lado do parceiro Frank Miller, um dos deflagradores de uma das maiores revoluções dos quadrinhos contemporâneos, ao ajudar a redimensionar os personagens Demolidor e Batman (no celebrado gibi O Cavaleiro das Trevas). Janson falou com exclusividade ao jornal O Estado de S. Paulo.
Primeiro, falemos do gibi O Cavaleiro das Trevas. Aquele trabalho que o sr. fez com Frank Miller foi um turning point nos quadrinhos quase 30 anos atrás. O sr. tinha consciência de como aquele comic book afetaria o futuro como afetou?
Honestamente? De jeito nenhum. Nem mesmo um pouquinho. Não posso falar por Frank Miller, mas acho que foi uma surpresa para nós dois. Posso falar por mim: eu não tinha a menor ideia. Eu sabia apenas que, pelas reações das pessoas e da cobertura das fãs e das convenções de quadrinhos, que muita gente estava gostando muito. Só não sabia que estaríamos falando daquilo 30 anos depois. Tenho que dizer que sou tremendamente agradecido e aprecio seu bom gosto (risos).
O Cavaleiro das Trevas e Watchmen foram os mais influentes daquela época, e criaram um rótulo, a chamada Era Sombria dos Quadrinhos. O sr. concorda com essa definição?
Eu acho o rótulo poético demais, mas eu vejo isso nos “filhos” de Frank Miller, como Scott Snyder, no jeito de se desenhar e escrever roteiros de quadrinhos que está sendo passado de uma geração para outra. É possível, vendo O Cavaleiro das Trevas e Watchmen, reconhecer sua tremenda influência nas gerações seguintes. Você provavelmente vai ouvir de Scott Snyder pessoalmente o reconhecimento da influência de Frank Miller. Para mim, sou muito grato aos projetos nos quais tive o prazer de colaborar, além de Cavaleiro das Trevas, como o trabalho com Grant Morrison e outros.
Naqueles primeiros trabalhos de Frank Miller, havia uma influência bastante visível da arte japonesa nos quadrinhos. Também era o seu caso?
Não acho que tenha sido. Eu não era influenciado por mangá, era mais interessado na caligrafia japonesa clássica, era algo mais relevante para mim naquela época. Talvez, 30 anos atrás, eu fosse pouco educado para apreciar a narrativa e o estilo japonês. Nos últimos dois ou três anos, eu me tornei mais interessado, até tenho usado canetas e material japonês para desenhar. Eu tenho uma abordagem muito analítica da arte em meu trabalho, e atribuo isso principalmente à minha atividade como educador, professor de artes gráficas. Quando você dá aulas para estudantes, você se prepara para analisar e defender pontos de vista. E essa experiência como educador, eu transferi para meu estilo.
Os maiores nomes dos quadrinhos, como David Mazzuchelli, Frank Miller, Robert Crumb e outros, recentemente, passaram dos quadrinhos para as galerias de arte, para os museus, com grandes exposições de sua arte. Essa passagem era imperiosa, em sua opinião?
Eu fiz algumas exposições recentemente. Expus em Portugal, por exemplo. E também na Polônia e estou com uma exposição na Pensilvânia, programada para o próximo ano. Todo mundo nos quadrinhos, alguma vez, fez alguma mostra assim. Mas eu acho que, mais importante que expor em museus e galerias é a atitude que tenho em torno do meu trabalho. Sempre senti, mesmo 20, 30 anos atrás, quando eu ainda não era um profissional, que o trabalho que fazia nos quadrinhos não era menos importante que qualquer outra forma de arte, aquelas consideradas “fine art”. Para mim, os quadrinhos têm em seu meio de expressão um valor em si mesmo. E hoje eu fico feliz em ver que há muito mais gente que pensa assim. Nós estamos vivendo uma época de grandes histórias, de grande arte e profunda apreciação do público leitor nos quadrinhos.
Isso que o sr. diz vem ao encontro do que já diziam também artistas como Will Eisner e Jules Feiffer.
Sim. É claro que trabalhos como Maus, de Art Spiegelman, e O Cavaleiro das Trevas, e obras de Jules Feiffer se tornaram marcos referenciais dos quadrinhos, especialmente por causa de sua repercussão na mídia. Mas eu estou convencido de que podemos fazer melhor ainda. Sinto que temos mais ainda para contribuir para com a arte em geral e os quadrinhos em particular. Potencialmente, ainda é um meio em franca evolução.
Quando o sr. e Frank Miller desenharam seu primeiro quadrinho juntos, o Demolidor, aquilo acabou se tornando um paradigma para muita gente no mundo todo, uma referência cultural.
É exatamente o que eu queria dizer. O Demolidor era um bom gibi, mas não ia fundo nas histórias e, por isso, tinha se tornado desinteressante. Na minha opinião, os personagens dos gibis sempre têm potencial, só depende de quem trabalhará com eles, as ideias que serão colocadas sob eles. O Demolidor, naquela época, era um personagem D ou C. Não estava na lista dos personagens classe A. E o que Frank e eu fizemos foi mudar isso. O talento pode mudar as coisas.