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Mais Um Ano mostra a dualidade dos que buscam felicidade

Quantas vezes nos surpreendemos dizendo frases do tipo: “Já é Natal de novo? Mais um carnaval!?”. Assim, de forma tão simplória quanto simbólica, todos os anos nos pegamos dizendo: “Mais um ano!”. É exatamente a simplicidade e a complexidade da passagem do tempo que interessa ao diretor britânico Mike Leigh em Mais Um Ano.
Filmado em 2009, o longa estreou nos circuitos dos grandes festivais internacionais em 2010, mais precisamente em Cannes, onde concorreu à Palma de Ouro, perdendo para o tailandês Tio Boonmee Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, de Apichatpong Weerasethaku.

Mesmo sem a Palma, o filme competiu no London Film Festival 2010, foi indicado para o Oscar de roteiro original em 2011. Rendeu diversos prêmios à atriz Lesley Manville, que levou, entre outros, o troféu de atriz do National Board of Review Awards 2011.

Tudo isso para um filme tão comum quanto a vida de um casal suburbano que, já vivendo os dramas de envelhecer, se vê diante de situações que os obrigam a lidar com a infelicidade de uma amiga que tem um pé no alcoolismo e outro na infelicidade crônica? Sim. Tudo isso para um filme que retrata, como quem não quer nada com o cinema grandioso, os pequenos dramas de vidas comuns. Ou quase.

Há quem diga que há uma certa dose de dicotomia excessiva neste drama suburbano, em que o casal feliz formado pela assistente social Gerri (Ruth Sheen) e o geólogo Tom (Jim Broadbent) vê orbitar em torno de sua casa a tal amiga problemática Mary (Lesley), o amigo infeliz Ken (Peter Wight) e o filho (ainda) solteiro, Joe (Oliver Maltman). A vida se divide entre os felizes e os infelizes, que precisam da ajuda dos primeiros para suportar o cotidiano? Talvez.

Mas há no ponto de vista de Leigh, que tem no currículo os sucessos Segredos e Mentiras e Topsy Turvy e O Segredo de Vera Drake, algum julgamento moral ou receita da felicidade? Não. “Este filme é sobre como levamos nossas vidas. O que faz as pessoas felizes? O que nos faz felizes mesmo quando estamos envelhecendo e tendo de lidar com a possibilidade da morte?”, questiona o diretor ao jornal O Estado de S.Paulo à época do lançamento do filme na Inglaterra.

São estas questões que assombram a vida de Mary. “Sempre fui magra, não fui?”, diz ela, bem-vestida com roupas justas que revelam, e atestam que, apesar da idade, está bela como sempre. “Sim. Sempre foi. Diferentemente de mim”, rebate uma mais rechonchuda Gerri.

Ainda que Mary preencha os parâmetros de beleza mundiais, isso não é suficiente para que ela se sinta segura e confortável diante da resiliência e felicidade irritante da amiga não tão bela. É necessariamente o bom relacionamento com Tom que faz Gerri ser mais feliz que Mary? Não. “Mas é a forma como Mary encara as frustrações, a velhice iminente, a presente solidão que a torna infeliz”, pondera o diretor.

Há um assunto mais banal para se tratar em um filme cujas locações, no noroeste de Londres, são nada glamourosas casas e ruas de classe média do que um casamento suburbanamente feliz? Talvez não. No entanto, ao mesmo tempo, há algo mais extraordinário que um relacionamento que realmente faça um homem e uma mulher plenos e felizes dentro de suas realidades? “Obviamente, Gerri e Tom têm questões, problemas. Afinal, são humanos. Não se afirma em momento nenhum que eles são um casal de propaganda”, lembra Leigh.

Interessante observar que, britânico que é, o diretor tem questões com o tema da felicidade. Em seu filme anterior, Simplesmente Feliz (Happy Go Lucky no original), a protagonista Poppy é justamente uma otimista incorrigível, quase patológica, vivida por Sally Hawkins, que levou o Globo de Ouro de atriz em comédia pelo papel.

Muitos ingleses usam a expressão happy go lucky para falar de algo que pode tanto ser traduzido literalmente como o feliz atrai a sorte ou definir aqueles que são felizes e despreocupados, irresponsavelmente felizes. Assim é Poppy, feliz e despreocupada, que sabe que, mesmo que ruins, as coisas vão ficar bem no final. Mary é seu oposto. Ela sente que, mesmo que esteja tudo aparentemente bem e que ela possa se dar ao direito de ser um pouco happy go lucky, sua vida é ruim e nada dá certo no final. “Nunca tenho sorte”, diz ela, em prova clara que Simplesmente Feliz e Mais Um Ano são obras complementares.

Aos 67 anos, Leigh continua sendo um dos mais argutos observadores da vida e dos tipos de sua terra natal. Assim como seu conterrâneo Ken Loach, tem olhar apurado sobre os tipos médios e os excluídos da sociedade.

Mas no caso de Leigh, é menos o social e mais o trivial que está em questão. Não necessariamente os personagens clichês, mas sim aqueles com quem cruzamos no metrô, nas ruas.

Em entrevista ao jornal britânico Guardian, na época do lançamento do filme, Leigh afirmou que, quando criança em sua Salford natal, ele sempre imaginava o quão interessante seria se pudéssemos ver pessoas reais nos filmes. São exatamente essas pessoas, as professoras primárias, os geólogos, as assistentes sociais, os caixas de supermercados e afins, que ganham o primeiro plano em seus filmes. “Estou ficando melhor também, pois também estou envelhecendo. A gente começa a entender a condição humana.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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