A escolha do nome para a relatoria no Senado do projeto de lei que cria o marco de geração de energia eólica offshore (em alto-mar) no País teve como pano de fundo a tentativa de manutenção dos jabutis inseridos na Câmara, que vão sujar a matriz elétrica e encarecer a conta de luz.
Como o projeto começou a tramitar no Senado, sofreu alterações na Câmara e agora retornou à Casa, a expectativa era de que o senador Carlos Portinho (PL-RJ) relatasse novamente a proposta, como é de praxe. Mas a decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG), foi entregar o texto para o vice-líder do governo na Casa, senador Weverton (PDT-MA).
Em entrevista ao <b>Estadão</b>, Portinho afirma que a troca foi motivada pelos "jabutis" – textos que pegam carona em um projeto de lei, sem ter relação direta com o objetivo principal da proposta.
Na Câmara, foram inseridas no PL das eólicas offshore, voltado para a energia limpa, medidas como a renovação de subsídios ao carvão no Sul do País – o que desvirtua o propósito original do texto. Outro ponto polêmico é a contratação de energia a gás nas regiões Norte e Centro-Oeste sem preço-teto definido e por prazo indeterminado. Com isso, especialistas alertam que o custo dos gasodutos que precisarão ser construídos para levar o gás da costa brasileira a essas regiões poderá ser repassado aos consumidores de energia de todo o País.
O movimento acendeu o sinal vermelho no setor elétrico, que promete forte atuação nos corredores e gabinetes do Senado para desfazer o que foi aprovado pela Câmara.
"O que foi determinante para a mudança do relator foram os outros temas (inseridos no projeto), no retorno da Câmara", afirma Portinho. "Acho que essas propostas vão gerar muita polêmica e discussão – e isso vai atrasar a votação do projeto, que tem como objetivo principal criar o marco das eólicas offshore. O que defendo é voltar ao texto original", afirmou.
Portinho afirma que a manobra foi promovida por Pacheco, a quem cabe escolher a relatoria, como presidente do Senado. O senador David Alcolumbre (União-AP), aliado de Pacheco, também teria atuado nos bastidores, segundo apurou a reportagem.
"Já me manifestei que foi quebrado o costume da Casa. Isso é perigoso e espero que não se torne regra. Não tenho rusgas com o senador Weverton, ele apenas foi escolhido o relator pelo presidente Pacheco", disse.
Procurado, Weverton afirmou, por meio da sua assessoria, que ainda irá se reunir com técnicos da Casa antes de se posicionar sobre os jabutis inseridos no projeto. Já os senadores Pacheco e Alcolumbre não se manifestaram.
Weverton é vice-líder do governo no Senado, o que fará, na visão de interlocutores, com que a pressão do setor elétrico se dê não só sobre o Legislativo, mas também sobre o Executivo. Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou oito especialistas em energia para uma reunião no Palácio do Planalto para entender os problemas do setor.
O presidente da Frente dos Consumidores de Energia Elétrica, e ex-diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata, participou desse encontro. Ele diz que os jabutis inseridos no PL vão na contramão dos objetivos do presidente, pelo forte impacto nas contas de luz.
"O que estamos vendo é uma loucura. E parece que o Senado está se articulando para manter o que foi aprovado na Câmara. O discurso do presidente Lula é reduzir custos, e o que esse projeto faz é justamente o contrário", disse Barata.
Além do incentivo ao carvão e ao gás, o projeto de lei prevê a prorrogação do prazo para que usinas renováveis entrem no sistema elétrico com subsídios, a contração de usinas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), novos incentivos à Geração Distribuída, além de extensão de contratos do Proinfra, a construção de uma planta de hidrogênio verde e a instalação de usinas eólicas no Sul do País.
A soma de todas essas propostas, segundo a consultoria PSR, chegará a R$ 25 bilhões por ano, o que representará um aumento de 11% na conta de luz. Até 2050, o custo a ser repassado para os consumidores poderá chegar a R$ 658 bilhões.
"Esses itens inserem na proposta de regulação da produção de energia eólica em alto mar subsídios e outros incentivos à produção de carvão mineral, energia térmica a gás e outras medidas sem qualquer justificativa técnica", diz a Frente Nacional dos Consumidores de Energia.