Ele teria completado 90 anos. Mas Marcello Vincenzo Domenico Mastroianni, que se tornou conhecido como Marcello Mastroianni – um dos maiores astros de cinema da Itália e do mundo -, morreu há quase 20, em 1996. No mesmo 28 de setembro, Brigitte Bardot fez 80 anos e, uma semana antes, no dia 20, Sophia Loren também fez 80. Marcello fez com a primeira Vida Privada, de Louis Malle, e com Sophia Loren formou a dupla que todos sabem, em clássicos do diretor italiano Vittorio De Sica. O Festival de Cannes deste ano celebrou os 50 anos de Matrimônio à Itália, uma das mais populares e felizes realizações do trio. A foto do ator em outro filme, maior ainda – Oito e Meio, de Federico Fellini -, forneceu o cartaz de Cannes. Em maio, toda a Croisette foi ornamentada com a imagem de Marcello.
São muitas datas, muitas efemérides. Brigitte foi o furacão que, nos anos 1950, anunciou as mudanças comportamentais que marcariam a década seguinte. Sophia, filha do povo que se tornou dama sem renegar as origens, superou a todas – Brigitte, Marilyn Monroe -, numa pesquisa recente que a apontou com a mais sexy das estrelas. E Mastroianni foi, a um tempo, o galã e o intelectual, mas ele se lixava para a imagem do homem sedutor. Fez um impotente em O Belo Antônio, de Mauro Bolognini, um homossexual para Ettore Scola em Um Dia Especial para o mesmo Scola foi o Casanova decadente de La Nuit des Varennes, lançado no Brasil como Casanova e a Revolução.
Marcello nasceu em Fontana Liri, pequena cidade da Ciociaria. Lembram do nome? O filme que deu o Oscar para Sophia Loren, Duas Mulheres – de De Sica -, chama-se no original La Ciociaria e conta a história da mulher dessa região que foge com a filha dos nazistas, durante a 2ª Grande Guerra, e ambas são atacadas, e a garota estuprada por soldados durante a fuga. Sophia veio de um meio miserável.
Marcello, de uma família abastada. O tio, Umberto, era famoso escultor. Aos 21 anos, já estava em Roma, no mundo do cinema, trabalhando como figurante. Nos anos 1950, chegou a fazer papéis de destaque, em filmes como Pais e Filhos e Os Ilustres Desconhecidos, de Mario Monicelli, ou Noites Brancas, seu primeiro encontro com Luchino Visconti, mas, apesar dos muitos filmes, era principalmente um ator de teatro. A situação mudou quando Fellini fez dele o jornalista Marcello Rubini de A Doce Vida, filme-farol que ganhou a Palma de Ouro.
Rubini era um personagem autobiográfico. Marcello tornou-se o alter-ego do grande autor italiano, que fez dele, na sequência, o cineasta em crise (Guido Anselmi) de Oito e Meio. Fizeram mais filmes juntos – A Cidade das Mulheres, Ginger e Fred e Fellini Entrevista. Com Fellini, Mastroianni ganhou não só projeção como reconhecimento. Todos passaram a querer Marcello até os norte-americanos. Foram muitos grandes filmes, de grandes diretores. Impossível enumerá-los todos. Alguns – Dois Destinos, de Valerio Zurlini; A Noite, de Michelangelo Antonioni; O Assassino, de Elio Petri; Divórcio à Italiana, de Pietro Germi; Os Companheiros, de Mario Monicelli; O Estrangeiro, de Luchino Visconti; Príncipe sem Palácio, de John Boorman; Allonsanfan, de Paolo e Vittorio Taviani; A Comilança, de Marco Ferreri; Esposamante, de Marco Vicario;
Enrique IV, de Marco Bellocchio; O Apicultor, de Theo Angelopoulos; e Viagem ao Princípio do Mundo, de Manoel de Oliveira.
No Brasil, filmou com Bruno Barreto e Sonia Braga, e foi o Nacib de Gabrielas, baseado em Jorge Amado. E ainda vale lembrar os outros filmes com De Sica, como Ontem, Hoje e Amanhã e Os Girassóis da Rússia. Embora, como já se disse, não ligasse a mínima para a imagem de galã, Marcello Mastroianni contracenou com as mais belas mulheres – Sophia, claro, Brigitte, e também Ursula Andress, Anita Ekberg, todas mitos sexuais. Sua biografia oficial registra um só casamento, com Flora Clarabella, que durou de 1950 até a morte, mas é que nunca se divorciaram. A ligação mais famosa foi com Catherine Deneuve, com quem teve a filha Chiara. Mastroianni foi bom de comédia, de drama. Tinha carisma. E sabia expressar a impalpável angústia do homem contemporâneo. Há quem discuta se ele foi um bom Mersault, ao expressar o mal-estar existencial do personagem de Albert Camus para Visconti (em O Estrangeiro). Mas a cena final, de Jeanne Moreau e dele, em A Noite, a leitura daquela carta, é um grande, inesquecível momento de cinema. Feito de silêncios, subentendidos, que só a arte de grandes atores expressa.