Marcelo Gomes nasceu em Manaus, mas mudou-se com a família para o Rio aos 5 anos. Na capital fluminense, aprendeu a arte que o levaria a ser famoso pelo mundo. Bailarino principal do American Ballet Theatre (ABT), onde dança há 19 anos, ele retorna a duas de suas origens – familiar e artística – para coreografar uma obra inspirada em sua terra natal para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
O balé de Gomes é a terceira parte da chamada Trilogia Amazônica, que estreará em 3 de agosto, dois dias antes do início dos Jogos Olímpicos na cidade. Foi do diretor artístico do Theatro Municipal, o maestro André Cardoso, a ideia de usar composições de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) em uma criação que reverenciasse o Brasil. Ana Botafogo e Cecilia Kerche, diretoras do Ballet do Theatro Municipal e primeiras-bailarinas da companhia, escolheram os três coreógrafos brasileiros para a empreitada: Luiz Fernando Bongiovanni, Daniela Cardim e Marcelo Gomes.
Cada um é responsável por um ato da trilogia, que será apresentada com orquestra. Bongiovanni – que foi bailarino na Europa e, hoje, é um dos nomes mais respeitados da dança contemporânea no País – ficou com Erosão, que Villa-Lobos compôs em 1950, sobre a origem do Rio Amazonas. Daniela, que já foi bailarina do Theatro Municipal e atualmente mora e trabalha em Londres, coreografou Uirapuru, de 1917, obra sobre o pássaro que tem sua própria lenda. Já Gomes recebeu como missão Amazonas (1917) e Alvorada na Floresta Tropical (1953). “Tem tudo a ver com o Marcelo, com essa brasilidade. Acho que ele também está gostando de resgatar tudo isso. Porque, na realidade, ele é brasileiro, mas saiu muito criança daqui. Fez essa carreira linda e hoje vive nos Estados Unidos. Mas ele nunca perdeu as raízes”, afirma Ana Botafogo.
Gomes passou duas semanas em abril trabalhando com a companhia no Rio. Segundo ele, seu balé é livremente inspirado no boi-bumbá e no Festival Folclórico de Parintins, palco da disputa entre os bois Garantido e Caprichoso. “Eu escutava meu irmão falar que ele ainda se lembrava que as pessoas colocavam fantasias e ficavam correndo no quintal em Manaus. Eu não vi, porque saí de lá com 5 anos. Só entendi essa tradição quando já era adolescente. Com 20 e poucos anos, me dei conta de como isso realmente tem um peso para a Amazônia. É incrível ter dois times e essa rivalidade entre eles. É como se fossem times de futebol, escolas de samba. E isso é muito perto da alma e da vida das pessoas no Amazonas”, diz Marcelo. “Quando surgiu a oportunidade de me conectar mais ainda com minha raiz, tive de fazer um balé sobre o boi. Para mim, não havia outra coisa sobre a qual eu gostaria de falar com essa oportunidade.”
Desenvolver uma dança para obras do vanguardista Villa-Lobos foi um dos principais desafios. Gomes começa seu processo de criação a partir da música. Foi assim em AfterEffect, balé que fez especialmente para o ABT no ano passado, marcando sua grande estreia como coreógrafo. Desta vez, no entanto, ele não escolheu a trilha. “Tenho de me familiarizar com a música primeiro e depois contar a história”, explica. “Não foi fácil. Acho que Villa-Lobos tinha um motivo pelo qual fez a música dessa forma. O respeito que tenho pelo compositor se transformou em coragem para eu decifrar a intenção dele.”
Carga dramática
Apesar do desafio, Gomes terminou a obra em pouco tempo. “O Marcelo tem essa facilidade de criação. Em menos de uma semana, criou um balé de 20 minutos. Eu e a Ana ficamos surpresas com a rapidez com que ele fechou a história, colocou personagens. E tem uma carga dramática muito grande que ele conseguiu tirar dos nossos bailarinos”, diz Cecilia Kerche. O elenco é formado por 17 integrantes da companhia, além de sete crianças da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. Entre os principais nomes estão os primeiros-bailarinos Márcia Jaqueline, Claudia Mota, Cícero Gomes e Moacir Emanoel.
O Theatro Municipal foi o primeiro grande palco no qual o amazonense se apresentou, ainda na infância. Foi Fritz, o irmão da menina Clara no clássico O Quebra-Nozes. Ele conta que, durante o tempo em que passou no teatro, criando o balé, lembrou de como se sentia quando era criança ao lado dos profissionais que admirava. Pensou se agora é ele quem inspira os pequenos. “É muito além do que eu poderia imaginar fazer da minha vida. Nunca pensei que isso fosse acontecer e da maneira como fui recebido. Foi uma troca maravilhosa. Acho que os bailarinos têm muita fome de aprender. É muita paixão e ambição.”
Com a agenda cheia de apresentações nos Estados Unidos – onde dançará balés como O Lago dos Cisnes, Romeu e Julieta, Sylvia e Firebird -, Gomes encontrará novamente os bailarinos do Theatro Municipal em julho. Depois, retorna ao Rio em agosto para o ensaio geral e a estreia. Ainda em agosto, Gomes realizará um sonho: voltará a Manaus, desta vez para mostrar a vertente pela qual já é consagrado, a de bailarino. No Teatro Amazonas, apresentará pela primeira vez uma gala ao lado de grandes nomes da dança internacional e amigos do ABT.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.