Marcos Palmeira está lá e está cá. Mude de canal e compare, se quiser. Sem muletas cênicas, no máximo com barba a distinguir um personagem do outro, o ator surgirá em dois canais praticamente ao mesmo tempo, dando voz a perfis bem distintos: no Multishow, a partir das 22h30, ele atende como Raul, sujeito passional, às vezes descontrolado, jornalista que vai se descobrir no ramo da prostituição; na Globo, perto de 23h, ele já é conhecido como o delegado Pedroso, profissional cheio de sobriedade e de alguma sedução, escalado para desvendar o crime que norteia o enredo da novela O Rebu.
Raul, protagonista de A Segunda Vez, série do Multishow em parceria com a produtora Conspiração, é baseado no livro A Segunda Vez Que Te Conheci, de Marcelo Rubens Paiva, colunista do jornal O Estado de S.Paulo. E fará concorrência com Pedroso a partir desta segunda-feira, 11. Aliás, nesta segunda O Rebu vai ao ar mais cedo, o que crava a coincidência de Palmeira nos dois canais, ponteiro a ponteiro do relógio. “Só isso (a concorrência consigo) foi uma coisa que não me agradou muito”, admite o ator ao jornal O Estado de S.Paulo, “mas não tenho controle sobre isso”.
A série foi gravada em janeiro e fevereiro, por 12 horas diárias, e O Rebu ainda ocupa a agenda do ator por mais algumas semanas. “São personagens muito diferentes.” Com 15 episódios, A Segunda Vez adere a um novo modelo de exibição de série na TV paga, com apresentação diária. Assim como Sessão de Terapia, no GNT, e Por Isso Sou Vingativa, no mesmo Multishow, ocupa a grade de segunda a sexta. Se a audiência for boa, lá vem segunda temporada.
“Como a série é diária, vamos ter uma reposta de público muito rápida”, aposta Gil Ribeiro, da Conspiração, que assina a produção executiva. “Do ponto de vista do canal e nosso, é 100% a vontade de fazer uma nova temporada e deixamos o gancho pra segunda temporada. A série é baseada no livro, mas pode se desgrudar dele a cada temporada”, acredita o produtor.
Palmeira está preparado para tanto. Único ator brasileiro indicado para o Emmy por uma produção fora da Globo – Mandrake, da HBO -, ele só pode se dar ao luxo de estar em dois canais ao mesmo tempo porque não tem contrato fixo com o canal aberto. A liberdade de escolha vem desde 2004, quando abriu mão do compromisso de longa temporada com a Globo, justamente por causa de Mandrake. Mas a disposição de trocar de estação quando a proposta o seduz é mais antiga. Em 1990, quando ainda era tratado só como sobrinho de Chico Anysio na Globo, foi para a TV
Manchete, fez história e nome próprio, com a novela Pantanal.
“O que me guia são as paixões artísticas. Conhecia o Mandrake da literatura do Ruben Fonseca e fui fazer. Quando li o roteiro de Réveillon (longa-metragem que filmou entre A Segunda Vez e O Rebu), já estava ligando para a Andréa Barata Ribeiro (sócia da produtora O2Filmes) na última página, antes de acabar, dizendo que queria muito fazer o filme. Se tem alguma coisa que me interessa, vou atrás e me ofereço, às vezes podem não ter lembrado de mim e eu me coloco à disposição.
Se precisar fazer teste, eu faço.”
Mesmo sem contrato fixo, circulou por algumas das produções mais cotadas da Globo nos últimos anos, como Cheias de Charme, Saramandaia, e agora, O Rebu. “Não é sempre que a gente acerta, mas é um privilégio ter participado disso tudo, é um privilégio estar no primeiro trabalho de direção do Walter Carvalho na TV (como diretor de set, e não só de fotografia, como assinou nos créditos de Amores Roubados e O Canto da Sereia),
Raul, seu novo personagem, circula há anos no ambiente de redação de jornal diário. Dispensa bajulações para ascender na carreira, mas chega a acreditar que será alçado ao posto de editor-chefe do jornal, quando lhe anunciam que seu destino é o comando do portal do jornal na web. Raul se revolta, diz que é jornalista de jornal de papel e, após nocautear o almofadinha que lhe toma o posto, é demitido. O preconceito de jornalistas de mídia impressa com a web é cena cada vez mais rara no jornalismo da vida real, mas foi algo que todo profissional do ramo presenciou nos últimos anos, seja no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos.
“Ele é quase de época”, define o ator. O comportamento nostálgico inclui o hábito
de cheirar cocaína, ou “dar uma turbinada”, como diz Raul. “É coisa de uma outra época mesmo, a droga foi pra um canal muito mais barra-pesada.”
Mas nem tudo está perdido. No que diz respeito aos hábitos de leitura, Palmeira pode se dizer também alguém de outros tempos. “Ainda gosto de ler notícia pelo jornal de papel. Gosto de acordar um pouco mais cedo pra ler jornal, nesse ponto sou também antigo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.