Desde o fim do ano passado, ao menos 32 novas invasões de terras resultaram no desmatamento de áreas de mananciais às margens das Represas Billings e do Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, para dar lugar a loteamentos clandestinos ocupados por grileiros. Eles vêm comercializando esses terrenos por anúncios nas redes sociais e cartazes pregados nas ruas.
O dado leva em consideração apenas as áreas de propriedade da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), estatal responsável pelas represas. Mas há ainda um número não consolidado de invasões: segundo a Secretaria Municipal de Habitação, há ao menos 300 mil famílias vivendo em áreas de mananciais e de risco, em uma região que já tem, ao todo, 1,5 milhão de pessoas.
A ocupação irregular dessas áreas data do início dos anos 1980, provocando, principalmente, contaminação dos reservatórios das represas com esgoto lançado por essas moradias. Segundo a Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo da capital, o processo se acelerou nos últimos três anos. “Há um problema crucial: o poder público, Município e Estado, têm diminuído a produção de unidades habitacionais, por causa da baixa execução do Programa Minha Casa, Minha Vida”, avalia o promotor Marcus Vinicius Monteiro dos Santos.
Os responsáveis pelas invasões figuram em diversos inquéritos civis, cada um aberto para tratar de uma ocupação específica. Vendem terrenos baratos, com promessa de regularização fundiária fácil, para gente que planeja fugir do aluguel.
Há casos em que essas pessoas chegam a valer-se do apoio de partidos políticos e também se associam, segundo investigações da Polícia Civil, à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) – que coordena roubos e tráfico de drogas de dentro dos presídios. É o caso de Wanderlei Lemes Teixeira, o Manolo, candidato a vereador pelo PCdoB e um dos investigados por essas práticas. Entretanto, há ao menos cinco pessoas relacionadas a esse tipo de delito em inquérito do Ministério Público Estadual (mais informações na página A23).
Comércio
Nas terras com suspeitas de grilagem, segundo o MPE, os lotes chegam a ser vendidos por R$ 18 mil, pagos por meio de prestações mensais de R$ 500. Nas redes, há também o “subcomércio” desses lotes: gente que já ergueu construções de alvenaria nesses lotes e tenta vender os imóveis. Em comunidades de bairros do Facebook, os anúncios são de terrenos em localidades como Jardim das Gaivotas, Jardim Xique-Xique, Jardim Casa Grande e Jardim São Rafael – todos nas regiões de Grajaú e Capela do Socorro, na zona sul.
Moradores dessas áreas e ativistas de movimentos do meio ambiente relatam uma rotina de intimidações. “Disseram que tinha uma bala com meu nome escrito”, diz uma dessas pessoas, sob condição de sigilo. As ameaças seriam reação à pressão que os grupos de moradores fazem com Ministério Público e Prefeitura para que as áreas sejam regularizadas.
No caso dos terrenos da Emae, a empresa afirma que fez 24 “ações de desfazimento” em áreas ocupadas – que “desde a remoção de demarcações de lotes à retirada de barracos de madeira, evitaram uma maior degradação ambiental das áreas, bem como a necessidade de ingresso de ações judiciais para retomada”, segundo nota da companhia. Em outros oito casos, a empresa acionou a Justiça, ingressando com ações de reintegração de posse.
Essas demandas judiciais se somam a todos os tipos de invasões que resultam em ordens de reintegração de posse que chegam a transitar na Justiça por 20 anos. Verdadeiros proprietários se somam a gente que comprou terrenos loteados clandestinamente em processos, às vezes contra terceiros, invasores de segundas levas de ocupações. Desde 2014, para tentar acelerar essas demandas, o Tribunal de Justiça crio o Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse (Gaorp) para tentar pôr fim a esses conflitos. Só neste ano, o grupo atuou em 23 casos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.