Maria Clara Gueiros é uma testemunha privilegiada das variações do humor. Em 30 anos de carreira, a atriz se tornou nacionalmente conhecida com o personagem Laura, do programa global Zorra Total, cujo bordão “Vem cá, te conheço?” era repetido em cada esquina. Isso foi em 2003, quando Maria Clara já andava desanimada de fazer testes para espetáculos e não conseguia aprovação. “O bordão foi criação dos roteiristas, mas criei uma graça para ele”, conta ela que, ainda firme no elenco principal do programa (agora chamado apenas de Zorra, exibido aos sábados), conheceu toda a rápida evolução do humor televisivo, depois da consolidação da força da internet.
No início, Maria Clara tinha como companheiros de elenco nomes consolidados como Agildo Ribeiro, Paulo Silvino e Jorge Dória. Hoje, divide a cena com talentos da nova geração como Dani Calabresa, Débora Lamm, George Sauma. “O humor, na essência, continua o mesmo e é um privilégio viver tantas histórias por meio da graça”, comenta ela que, atriz com história fincada no teatro (“Quase nunca fiquei um ano sem pisar no palco”), exercita seus múltiplos recursos na peça A Invenção do Amor, que estreia neste sábado, 5, no Teatro Folha. “O que diferencia uma da outra é o timing.”
Com isso, Maria Clara quer dizer o tempo do humor que, com o passar dos anos e o avanço da tecnologia, foi se modificando. “Hoje, não é preciso mais explicar a piada como acontecia antes”, conta a atriz/humorista. “O espectador, tanto no teatro como no cinema e na TV, já recebe mais informações e basta você apontar o caminho para ele entender a graça.” Maria Clara faz ressalva, porém, sobre uma importante lição aprendida com veteranos: o uso da voz. Como a maioria daquele grupo iniciou a carreira no rádio, a inflexão vocal era decisiva para atingir a graça. “Por isso, vejo as palavras, no humor, seguindo uma partitura, como em uma sinfonia, em que determinadas sílabas são importantes para a piada.”
Maria Clara lembra-se com carinho dos comediantes que a ajudaram em seu início na televisão. A começar por Chico Anysio. “Foi um dos meus principais incentivadores, assim como Jorge Dória”, lembra ela, que também aprendeu ao acompanhar o trabalho de outras mulheres, como Zilda Cardoso (famosa pelo personagem Catifunda), Nair Bello e Dercy Gonçalves, além de Heloísa Perissé (“um gênio da comédia) e atrizes que formaram o grupo do famoso programa TV Pirata (Débora Bloch, Claudia Raia, Regina Casé, Louise Cardoso) até chegar a uma referência internacional, Julia Louis-Dreyfus (de Seinfeld e Veep). “Ela trabalha bem o sorriso, a ironia”, justifica.
A premissa, segundo Maria Clara, é a alegria em cena. “O humor não funciona se eu e meus colegas não estivermos nos divertindo no set. O público percebe isso.” E o prazer é que ela mais sente em A Invenção do Amor, peça em que divide o palco com Guilherme Piva. Escrita por Alessandro Marson e Thereza Falcão e dirigida por Marcelo Valle, a comédia acompanha a criação desse sentimento primordial desde a origem do homem – Piva vive Croc, ser que vive em uma caverna ao lado de Nhaca (Maria Clara). Juntos, eles vivenciam o cômico e o dramático das relações afetivas.
“A trama dá saltos na história, chegando tanto ao tempo do Rei Salomão, como à época de Shakespeare e sua obra Romeu e Julieta”, conta a atriz, que tem a oportunidade ali de apresentar todas as regras do humor a partir das distintas fases que marcam uma paixão. “Entender como o amor foi inventado não é uma tarefa das mais fáceis”, observa o diretor Marcelo Valle. “Mas, o que propomos com A Invenção do Amor é simples: fragmentamos a evolução de nossos padrões de comportamento para mostrar esse amor que se reinventa, sempre igual, mas sempre diferente. Imaginar qual teria sido o primeiro de todos os casais, para enxergar em todos os outros um pouquinho deles. Ou para enxergar nele um pouquinho de todos os outros.”
Os conflitos entre homem e mulher – que, apesar das mudanças de comportamento ao longo dos séculos, são basicamente sempre os mesmos – norteiam o comportamento do casal. E a viagem na linha do tempo permite a experiência de diversas formas de se relacionar. Desde o amor idealizado dos príncipes e princesas dos contos de fadas, ou o juvenil, também o medieval e proibido de Romeu e Julieta, até chegar à libertinagem em confronto com a relação romântica, passando pelo feminismo, a castidade até chegar à separação e à questão da guarda dos filhos.
“Em meio a tantas variações, o casal acaba no divã de um psicanalista chamado Freud Flintstone”, diverte-se Maria Clara. “É com o humor que minha personagem fala em inventar o sutiã para, no futuro, queimá-lo como exemplo de afirmação. O mesmo caminho que usamos para tratar de homossexualidade e variação de gêneros. Assuntos com que o público se identifica – basta ver casais se cutucando quando determinados temas são apresentados.”
A INVENÇÃO DO AMOR
Teatro Folha. Shopping Pátio Higienópolis. Av. Higienópolis, 618. 3823-2323. Sáb., 22h e 23h59; dom., 18h e 20h. R$ 50 / R$ 70. Até 1º/7
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.